- Mete a cara aí, recruta. Sobe até aqui pra dá essa de rato, rapá? Mete a cara logo que eu vô te matá, arrombado!
- Se entrega aí, Fabrício. É melhor pra todo mundo. Pensa na sua mãe. Dá pra tu escapá daqui não, cê sabe.
- Fabrício é uma porra, soldado. Tomá no cu, milico do caraio. Cê era favela e agora tá pagando de matadô do governo. Alemão do caraio. Eu sô o Brasa, morô, neguim?
Fabrício e o neguim se conhecem desde pivetes quando sua vida se resumia a fliperama, tubaína e uns assaltozinhos de trombadinha. Neguim antes tinha nome - Renato. Aos 18, Renato virou Soldado Gonçalves. Aos 17, Fabrício virou o Brasa, gerente de pó do morro do Vidigal. Soldado nunca mais tinha posto os pés no morro - na verdade, aparecia vez ou outra, mas entrava e saía de fininho, sem chamar a atenção do pessoal do movimento. Dois anos depois, Fabrício e Renato se encontram na virada da viela, cada um no seu canto, cada um na sua luta. Cada um com seu fuzil.
- Sai voado daqui, neguim, essa guerra né tua não, viado!
- Tô trabalhando, Fabrício, posso dá mole pra ti não.
- Arrombado do caralho, filho dunha puta do caraio. Porra, neguim, vô te quebrá, rapá. Some daqui, porra!
- Vai dar não, aê. Tem mais soldado subindo, se entrega na minha mão que eu te levo preso lá pra baixo. Se os cara subí vai ser pior, vão te sentá o dedo.
- Vai prendê o caraio, viado. Prende porra nenhuma. Tô te vendo neguim, tu tá na minha mira, vô te passá o rodo, arrombado.
O coração de Renato perde um pouco do compasso - assim como perdeu o compasso quando Fabrício deu o primeiro tiro na cara de um coroa que tava fazendo onda por causa de uma correntinha. Renato sabe que Fabrício não blefa. Seus olhos têm medo de tudo que vê, o Soldado tateia o ar com seu fuzil, mira em tudo que se mexe. Seu nariz não gosta do cheiro que sente e seus ouvidos tremem ao que ouvem:
- Eu vô te passá agora, neguim. Vô contá até dez pra você sair de pinote daqui. Vira as costa e vaza, morô?
O Soldado Renato se sente cada vez mais desprotegido naquela viela - viela que era endereço da Tia Dirce, a mãe de criação dos dois meninos de caminhos cruzados. Talvez seja hora de aceitar o conselho do amigo, dar as costas e sair dali o mais rápido possível. Dar baixa do Exército, sumir, ir morar na baixada, plantar umas plantinha, criar umas galinha e que se foda o resto dessa porra toda.
- Valeu Brasa, tô dando pé - acreditava na palavra de Fabrício, achava que realmente estava na mira e o melhor a fazer era se dar por vencido.
- Boa, recruta. Some daqui. Olha pra trás não, rapá - falava com a voz mais mansa, tentando acalmar o Soldado Gonçalves.
- Tô saindo, então.
Essa foi a última frase de Renato, vestido e armado em Soldado Gonçalves. Foi a sua última fala que denunciou sua posição - e foi o primeiro blefe de Brasa, fazer o inimigo acreditar que ele realmente estava na mira. Fabrício mira calmamente as costas de Renato:
- Aê arrombado, perdeu, cuzão.
O primeiro movimento da cabeça de Renato, que fazia menção de olhar pra trás, culmina com o dedo no gatilho do fuzil. O primeiro tiro vara o corpo do Soldado e o segundo o joga no chão. Jaz no chão preto e fedido do Vidigal.
- Aê otário do caralho! Vai acreditá em bandido, vacilão.
Ouvindo: NTM - Assasin de la Police
O que é “puxa saco”?
10 months ago