Wednesday, December 01, 2010

Soldado morreu, antes ele do que eu

- Mete a cara aí, recruta. Sobe até aqui pra dá essa de rato, rapá? Mete a cara logo que eu vô te matá, arrombado!
- Se entrega aí, Fabrício. É melhor pra todo mundo. Pensa na sua mãe. Dá pra tu escapá daqui não, cê sabe.
- Fabrício é uma porra, soldado. Tomá no cu, milico do caraio. Cê era favela e agora tá pagando de matadô do governo. Alemão do caraio. Eu sô o Brasa, morô, neguim?

Fabrício e o neguim se conhecem desde pivetes quando sua vida se resumia a fliperama, tubaína e uns assaltozinhos de trombadinha. Neguim antes tinha nome - Renato. Aos 18, Renato virou Soldado Gonçalves. Aos 17, Fabrício virou o Brasa, gerente de pó do morro do Vidigal. Soldado nunca mais tinha posto os pés no morro - na verdade, aparecia vez ou outra, mas entrava e saía de fininho, sem chamar a atenção do pessoal do movimento. Dois anos depois, Fabrício e Renato se encontram na virada da viela, cada um no seu canto, cada um na sua luta. Cada um com seu fuzil.

- Sai voado daqui, neguim, essa guerra né tua não, viado!
- Tô trabalhando, Fabrício, posso dá mole pra ti não.
- Arrombado do caralho, filho dunha puta do caraio. Porra, neguim, vô te quebrá, rapá. Some daqui, porra!
- Vai dar não, aê. Tem mais soldado subindo, se entrega na minha mão que eu te levo preso lá pra baixo. Se os cara subí vai ser pior, vão te sentá o dedo.
- Vai prendê o caraio, viado. Prende porra nenhuma. Tô te vendo neguim, tu tá na minha mira, vô te passá o rodo, arrombado.

O coração de Renato perde um pouco do compasso - assim como perdeu o compasso quando Fabrício deu o primeiro tiro na cara de um coroa que tava fazendo onda por causa de uma correntinha. Renato sabe que Fabrício não blefa. Seus olhos têm medo de tudo que vê, o Soldado tateia o ar com seu fuzil, mira em tudo que se mexe. Seu nariz não gosta do cheiro que sente e seus ouvidos tremem ao que ouvem:

- Eu vô te passá agora, neguim. Vô contá até dez pra você sair de pinote daqui. Vira as costa e vaza, morô?

O Soldado Renato se sente cada vez mais desprotegido naquela viela - viela que era endereço da Tia Dirce, a mãe de criação dos dois meninos de caminhos cruzados. Talvez seja hora de aceitar o conselho do amigo, dar as costas e sair dali o mais rápido possível. Dar baixa do Exército, sumir, ir morar na baixada, plantar umas plantinha, criar umas galinha e que se foda o resto dessa porra toda.

- Valeu Brasa, tô dando pé - acreditava na palavra de Fabrício, achava que realmente estava na mira e o melhor a fazer era se dar por vencido.
- Boa, recruta. Some daqui. Olha pra trás não, rapá - falava com a voz mais mansa, tentando acalmar o Soldado Gonçalves.

- Tô saindo, então.

Essa foi a última frase de Renato, vestido e armado em Soldado Gonçalves. Foi a sua última fala que denunciou sua posição - e foi o primeiro blefe de Brasa, fazer o inimigo acreditar que ele realmente estava na mira. Fabrício mira calmamente as costas de Renato:

- Aê arrombado, perdeu, cuzão.

O primeiro movimento da cabeça de Renato, que fazia menção de olhar pra trás, culmina com o dedo no gatilho do fuzil. O primeiro tiro vara o corpo do Soldado e o segundo o joga no chão. Jaz no chão preto e fedido do Vidigal.

- Aê otário do caralho! Vai acreditá em bandido, vacilão.

Ouvindo: NTM - Assasin de la Police

Monday, November 29, 2010

18 mil barracos e 1 neguinho trabalhador

-Abre a porta aí!
- Só um minutinho, senhor.

Arranca a remela do olho, passa a mão em cima da cabeça e tira bastante fiapo de coberta do cabelo duro. Abre a porta.

- Polícia. Com licença de revistar a sua casa, meu rapaz.
- Pois não - fala como se não tivesse outra opção além abrir caminho e deixar os quatro homens encapuzados e bem armados adentrarem o barraco de alvenaria na Travessa dos Pombos, nº 32.

Zé Roberto tem 16 anos. É preto, alto e magro. Veste bermudão da Conduta e regata Hurley. Nos pés, chinelo de dedo, com os quais nunca sai do seu barraco. Pra sair, Nike e Puma são suas preferências.

- Trabalha?
- Trabalho sim senhor - fala como se isso não fosse nenhum absurdo. Totalmente normal um pretinho trabalhador de dezesseis anos. Os outros homens vasculham o barraco enquanto o sargento Frias segue na enquete:
- Trabalha com que, rapaz?
- 'trego remédio na farmácia lá embaixo e gravo uns som com a rapazeada do funk aqui em cima
- Tem carteira assinada?
- Tenho não senhor - fala como se isso não fosse novidade para o policial, que nunca para:
- Tem passagem?
- Tenho não senhor, sempre fui trabalhador - fala enquanto o cabo Marinho interrompe a entrevista:
- Sargento, encontramo esse walkman e esse dinheiro do lado da cama do suspeito, senhor.
- É walkman não, senhor, é MP3.

Pau. Um soco na cara. O sangue não escorre. O sargento Frias limpa as costas da mão na calça da farda enquanto esbraveja:
- Cala a boca, moleque, cê acha que eu não sei o que que é isso?
- Desculpa senhor - fala como se fosse preciso pedir desculpas até mesmo por existir.
- É teu issaí? Comprou como issaí? Pode falar, rapaz, cê é do movimento, né não?
- Sou não senhor, sou trabalhador, senhor, nunca fui do crime não senhor.
- E esse dinheiro aí, onde você pegou?
- Tô guardando uma merreca pra gravar uns disco, senhor. O dinheiro é meu - fala como se isso fosse mesmo normal, um pretinho magrelo do morro com 1500 reais guardados em sua cômoda.
- Além de vagabundo é mentiroso, rapá. Vai falar onde você conseguiu esse dinheiro não, rapá?
- Sou trabalhador, senhor.

Pau. Outro soco na cara, esse vai direto na boca e derruba pelo menos três dos principais dentes de Zé Roberto. O cabo Mesquita e o soldado Saad voltam de suas buscas pelos barracos.
- Tem esses par de tênis aqui, senhor.

Pau. O terceiro soco na cara - nesse, Zé Roberto não consegue segurar a onda e cai mole no chão. Cabo Marinho aproveita-se e pisa a cara do neguinho contra o chão de cimento batido.

Aos gritos de "para com isso aí, senhor", "pelamordedeus", "sou trabalhador" - falava isso como se fosse normal que a polícia levasse um suspeito com dignidade - Zé Roberto foi algemado, preso e levado para averiguação.

Faltam apenas 18 mil barracos a serem averiguados - quase todos cheios de neguinhos de bermudão e chinelo. Sargento Frias tem um longo dia de trabalho pela frente.

Ouvindo: Emicida - Vai Ser Rimando

Monday, November 08, 2010

Oração para Pai Gerson

Post pago
Este post foi patrocinado por uma fonte que deseja permanecer incógnita. Pagando bem, que mal tem?

Oh, Gerson, olhai por mim pecador
Tomai conta de meus muitos inimigos
Para que eles com nada consigam me atingir

São Gerson, pai de todos os homens
Cuidai para que eu nunca me dê mal
Intercedei frente aos fracos
para que desistam antes do tempo

Gerson nosso, dai-nos força para fingir
Gerson Rei, dai-nos força pra enganar
Gerson Pai, fazei de mim um instrumento
Gerson Deus, fazei de mim sua arma, sua ira e sua vontade

Gerson, que de vosso ensinamento seja eu o arauto
Que de vossa história sejamos nós os maiores defensores
Que ensinai aos ofendidos como nos perdoar
E que os ofendidos ceguem-se ao nos acusar

Oh Gerson, olhai por nós nos momentos mais absurdos,
Gerson, fazei queimar todos aqueles que se coloquem em nosso caminho
São Gerson que estais no céu
Fazei com que possamos continuar levando vantagem em tudo.

Ouvindo: N.A.S.A - O Pato

Friday, October 29, 2010

O lugar onde o dinheiro não valia mais nada

- Dá a galinha. Dá essa galinha logo, moço.

O homem tem fome e está irritado, agitando apressado um maço de notas novas e caras. Tem bilhetes de 100 e de 50, somente. O outro homem sacode a cabeça pra um lado e pro outro:

- Dou galinha coisa nenhuma não.

O outro homem não tem fome. Tem mesmo uma barriguinha saliente e transpira calma e satisfação. Tem uma galinha gorda embaixo do braço e um saco cheio de grãos ao seu alcance.

São sete horas da noite de um inverno típico da época. A temperatura beira os 5º C e o primeiro homem, além de fome, tem frio. E tem dinheiro, muito, muito dinheiro. Avista um terceiro homem, que carrega bêbado e contente um garrafão de vinho.

- Vende esse vinh'aí pra mim, senhor?

O terceiro homem não tem frio, tem alegria de sobra e também não tem fome. Reparte o vinho com o dono das galinhas e sempre comem juntos, enquanto bebem em comemoração à fartura.

- Vender vinho é coisa que se faça?

- Tenho dinheiro. Tenho um monte de dinheiro, dá seu preço que eu compro seu vinho.

Chega o lenhador carregando um feixe de lenha, as mangas arregaçadas e o suor na testa. Parece nem mesmo sentir frio e tem uma cara de total satisfação com seu modus vivendis. Interfere:

- A gente tá pegando dinheiro por esses lados aqui mais não, moço. Issaí serve de nada pra nós aqui não.

O homem, de fome e de frio, treme. E treme mais ainda com a raiva que sobe por seu pescoço e faz sua cabeça latejar. O lenhador continua:

- Dá pra comer dinheiro? Dá pra se esquentar com dinheiro? Essas nota aí dá pra fazer roupa? Dá não, né?

O homem do vinho volta a assuntar:

- Teve um pessoal lá do outro lado do rio que andou comendo dinheiro. Mas falaram que tem gosto bom não. E que não dá muito fogo também não.

O lenhador deixa a lenha no chão e o homem da galinha apressa-se em fazer o fogo. O destino da galinha está selado e não há espaço para mais uma boca nessa mesa. Se pelo menos o homem tivesse algo útil para trocar, era capaz que os três o deixassem roer os ossos e tomar um pouco do caldo. Mas, além da roupa do corpo, o homem só tinha muito dinheiro. E insistia:

- Eu dou tudo pra vocês, tudo, mas me deixa eu dar um gole nesse vinho, dá uma mordida dessa galinha, pelamordedeus, gente.

Seu desespero era notável, mas o dinheiro não mais comovia nenhum daqueles três homens. O dono da galinha deu de ombros, o moço do vinho entornou mais um gole do garrafão. O lenhador definiu a questão:

- Moço, esse dinheiro tem serventia nenhuma aqui não. Se você andar mais umas horas pro lado de lá, pode ser que você encontre alguém que ainda tá pegando dinheiro. Mas aqui isso vai dar certo não.

Tremendo de frio e de raiva, o homem se afasta o suficiente para poder continuar observando o trio em sua ceia farta e bêbada. Tirou parte do dinheiro de um bolso e tacou fogo, que foi alimentando nota a nota. Com fome, começou a mascar uma nota de 100, o gosto era horrível. Queimou as notas uma a uma, que o fogo comia com avidez, deixando uma chama colorida e fria. Observa o homem da galinha, o lenhador e o moço do vinho cantando, abraçando e gritando. Queima a última nota para espantar o frio. O fogo, saciado em sua fome, apaga-se e impede o homem de continuar, mesmo que de longe, participando da festa daqueles que tinham fartura de verdade.

Ouvindo: Birdy Nam Nam - Shut Up

Monday, September 27, 2010

Odeie o jogo; odeie também o jogador

Crescer, desenvolver, dominar. Tomar, quebrar, domar. Desbravar, matar, queimar. Desde que o mundo é mundo, estes são os verbos que regem nossa vida. Fazemos tudo em nome do nosso crescimento. Crescer para todos os lados - regra que dita os jogos que jogamos desde sempre. No xadrez, no boxe, no rugbi e nas damas, o objetivo é expandir seu domínio e submeter o mais fraco. Quando o fraco não tem mais forças para lutar, aparece um vencedor. E o vencedor leva o mérito por ter quebrado seu oponente.

Quem luta contra a força que nos motiva a viver e que nos dá a condição humana cai nos precipícios que margeiam a sociedade - logo, vira marginal. Se você não tem ganas de dominar nada, logo diagnosticam-lhe como apático. Sem ambição, louco, mendigo, indigente. Se não está disposto a brincar do mesmo jogo, que vá pra longe com essas idéias que atrapalham a brincadeira.

"Don't hate the player, hate the game". A máxima utilizada pelos maiores jogadores pode ser comparada com a fala do bandido blasé: "Quem matou não fui eu, foi a arma". Quem joga o jogo puxa o gatilho, domina, queima, quebra, passa o rodo no adversário para continuar na frente na corrida. A grande questão que justifica toda a introdução é: o que te espera na linha de chegada?

Ouvindo: Deep Purple - Sometimes I Feel Like Screaming

Wednesday, July 14, 2010

Bete, Geraldo, Tiago, Marina: a confusão

Bete namorava Geraldo que partiu pra Grécia em busca de sonhos e diversão. Apareceu Tiago e logo conquistou Bete. Bete deixou Geraldo sozinho, lá longe e foi viver sonhos de princesa ao lado de Tiago. Bete queria conhecer o mundo. Tiago já conhecia e queria mais. Tiago tinha aquela doença de quem viaja muito. Tiago não queria ficar parado num mesmo lugar. Bete, desde há muito tempo, fazia seus planinhos para mudar um pouco de ares. Geraldo tinha saudades de casa mas tinha também pouca vontade de voltar. Tiago viu uma brechinha ali e logo voou pra longe. Tiago foi ser estrela de cinema. Bete queria um pouco de luz em cima dela, continuou fazendo planos, orçamentos, dividindo sonhos e angústias com suas confidentes. Tiago queria a doença do viajante só pra ele. Tiago não queria ver Bete longe. Tiago pode ir longe. Bete pode ir longe não. Geraldo conhece Marina. Marina não quer que Geraldo volte pra casa. Marina quer Geraldo pra ela, só pra ela. Tiago quer Bete só pra ele. Quer tanto só pra ele que não sobra Bete pra ela mesma. Bete desiste dos planos e passa as tardes a fazer crochê sentada na poltrona. Todos os papéis, todos os processos, todos os testes, vontades, caderninhos, álbuns de fotografias, passagens, amigos, tudo está agora amontoado ao lado da lareira. Bete espera por Tiago. Bete espera pelo frio para poder queimar no fogo todos esses sonhos bobos que cultivara. Será que Geraldo volta pra casa?

Ouvindo: Edith Piaf - La Vie en Rose

Monday, June 14, 2010

A história de Gilbert K. , o homem que queria limpar o mundo


A história de Gilbert K., hoje conhecido como o maior líder metropolitano do mundo começou quando ele era ainda moço, de barriga menos proeminente, mas de uma vontade política poucas vezes vista. Representante de classe na 5ª série A, conseguiu com que a sopa fosse servida em pratos descartáveis ao invés dos abomináveis pratos de plástico duro alaranjados. Na universidade liderou o Diretório Acadêmico da Escola Politécnica da USP e seu grande trunfo foi, em meio à toda agitação política em torno dos atos institucionais, de garantir uma faxina diária nas dependências do DA.

O homem que deixou os sofás da Poli mais limpos tinha a boca seca por poder. Seu amigo Rodrigo puxou a fila e Gilbert K. Veio colado logo atrás, conseguindo infiltrar nos ouvidos do povo a vinheta “quem sabe, sabe, vota comigo”. De deputado estadual para candidato a vice prefeito de fachada, o caminho foi curto e sempre amparado pelo seu amigo Rodrigo, Rô para os íntimos.

Fato que antes conseguia camuflar, quando prefeito, Gilbert K. era marcado de perto pela sua mãe, dona Jaci. Extremamente movida pela limpeza, dona Jaci queria que o filho, hoje comandante de uma metrópole, conseguisse colocar a cidade ao seu gosto, limpa, sem gente porca dormindo ao relento, sem meninos ramelentos dormindo porcos e sujos de cola.

Como bom voyeur que é, Gilbert K. passava parte de seu tempo camuflado em meio aos populares, de bonezinho enfiado na cabeça e camisa de promoção. Suas andanças rendiam-lhe suas maiores idéias, como colocar grades para separar os bancos de praças em 4 lugares. Dona Jaci não conteve suas lágrimas quando viu um daqueles mindingos sofrendo para se ajeitar embaixo do banco. Finalmente, a vitória dos limpos e justos estava começando a dar frutos.

Certo dia, Gilbert K. fazia sua caminhada escondido entre o populacho que vagava pelas ruas do centro da cidade. Enquanto imaginava qual seria o tipo de triunfo que dava nome a uma rua suja como aquele, Gilbert K. foi abordado por um dimenor, nitidamente noiado, com os olhos perdidos e uma só idéia: “Passa a grana aí, tiozinho”. Sem querer estragar seu disfarce, nosso herói abriu a carteira e deu duas notas de R$ 50 ao jovem infrator.

Saiu sem olhar pra trás, assim como o ladrão havia recomendado, porém, com seus sentidos aguçados de justiceiro, entrou num bar sujo e, sentado em uma banqueta suja, com os braços apoiados em um balcão sujo, pediu um copo de água descartável e seguiu observando seu assaltante pelo espelho da prateleira do bar. Viu que o menino não hesitou em comprar todo o dinheiro em pedra. Aliás, guardou R$ 3 para comprar um maço de cigarros e, contente de ter 12 pedras de crack e 20 cigarros do Paraguai, sentou-se na sarjeta, isqueiro numa mão, lata na outra. Começou o seu espetáculo doentio e queimou rapidamente a 1ª pedra.

Cinco minutos depois, queimou a segunda e assim foi, a cada cinco minutos uma pedra ia pra cabeça e, em uma hora e dez minutos o menino começou a ter um treco, se debatia todo na rua em convulsões e, em questão de instantes, não se mexia mais. Uma lágrima corria discretamente no rosto de Gilbert K., profundamente tocado pela cena.

‘Por que eu não tinha pensado nisso antes?’Dar ao povo a liberdade que o povo quer. Se eles querem saúde, damos saúde. Se querem segurança, eu dou segurança. Se querem educação, damos-lhe educação. E se querem crack, por que não damos crack? A solução estava ali, nítida, clara e funcional. Gilbert K. logo colocou em ação todos os seus secretários, que rapidamente já tinham um plano a ser posto em ação.

Voluntários passeariam pelo centro da cidade e arredores, nos lugares mais sujos da meterópole, com o bolso cheio de dinheiro e um extenso treinamento em como ser assaltado com segurança. Depois disso, era só ficar ali observando a desgraça dos assaltantes, preencher os relatórios, anexar fotos do caminhão de lixo que passa para buscar os corpos e brindar com Gilbert K. mais uma pá de lixo que foi mandada para longe de nossa cidade.

Ouvindo: Ez3kiel - Versus

Friday, June 11, 2010

Anedota velha: o homem que pedia demais

Estava encostado à beira do balcão, camisa larga em cima, apertada na barriga, deixando quem olhava por baixo ver o seu umbigo rodeado de pêlos. Chega um homem, tipo descolado que arruma tudo o que quer:

- Escuta, você não tem um real aí pra me arrumar?

Vacila ao levar o copo de velhobarreiro com limão à boca, pousa o copo no balcão e responde sem encarar o malandro:

- Tenho não.
- E um cigarrinho você teria, né não?
- Não fumo.

O vizinho de boteco estende um cigarro para o malandro, também sem olhar pra cara de nenhum dos dois, sem vontade de entrar naquele papo furado. O malandro pega o cigarro orientado pelo rabo de olho, sem olhar pro generoso vizinho e continua interpelando o homem de barriga de fora:

- ´presta um fósforo aí!
- Não tenho. Não fumo, tenho fósforo não.

O dono da bodega estende o isqueiro, mais uma vez sem olhar pro pedinte. O pedinte acende o cigarro sem olhar para o homem atrás do balcão. Traga fundo, assopra com o canto da boca e olha para nosso personagem sem fixar ponto em seu rosto.

-Posso dar um gole aí, então?
- Vai lá.

O malandro mata a cachaça em um gole só, limpa a boca com as costas da mão e solta algo gutural como um 'aaaaiiii'. Cospe no chão da calçada enquanto o primeiro homem pede uma recarga de cachaça com limão. O malandro termina de fumar, jogando a bituca com maestria para o exato meio da rua. Pede mais uma vez:

- Tem uma bala aí, moço?
- Tenho não senhor.

O malandro olha encabulado, pensativo. Do nada, solta mais uma:

- E um colírio, o senhor teria aí?
- Tenho sim.
- Então pinga dois aqui, ó - diz o malandro enquanto tomba a cabeça para trás e abre as pálpebras com os dedos.

Ouvindo: IAM - Ça Vient de la Rue

Wednesday, May 26, 2010

Linha 4 Amarela do Metrô: obrigado Serra por limpar essa porra de cidade

Ontem: Subindo a R. do Sumidouro olhei para o lado e reconheci um rosto enigmático que aparece no fim do documentário "De Passagem: 24 Horas no Largo da Batata". O homem de barba grossa e grisalha, que olha para a câmera entortando a cabeça, saía de um depósito de sei lá o que. Talvez até tenha me reconhecido, quem sabe?

Hoje: Os lojistas saem às portas das lojas, lojas que ficam num calçadão que antes era rua suja e fumacenta, marcada pela casa de artigos de umbanda ocupando soberana a esquina. Não estão agitados, só guardam uma esperança que a máquina de carregar gente traga pessoas para gastar dinheiro ao lado da Estação Faria Lima.

O metrô da linha 4, amarela, cem por cento construído com o suor do rosto de José Serra, carrega gente diferente daquela que antes se apinhava por ali esperado um ônibus que as levassem para longe dali. Pessoas importantes que carregam pastas, mulheres de cinturas finas, equilibristas em saltos altos finíssimos, que deixam escapar às olhadelas furtivas a renda de seda nobre de suas calcinhas.

Ontem: Em um bar na Cunha Gago um homem assa espetinhos de carne, exagerando no óleo para chamar a freguesia. Putas baratas mostram com vontade a renda barata de suas calcinhas rotas e mal lavadas. Equilibram-se em tamancos de plataforma, alugando o corpo por 15 reais. O que a prefeitura varreu do Largo da Batata foi parar logo ali do lado, onde ônibus que levam as pessoas pra longe ainda enfumaçam as ruas e uma loja de artigos de umbanda ocupa soberana uma esquina.

Hoje: No Metrô da Linha 4, Amarela, é proibido se jogar nos trilhos. Para isso, o José Serra planejou e montou uma ante porta, a porta antes da porta do metrô, por onde só podemos passar quando o metrô abre a porta. Ele também não separou os vagões, tudo é um trem só e podemos ver que o metrô, assim como nós, o metrô desce, o metrô sobe, o metrô faz curvas. Limpíssimo como a cidade vai ser.

As pessoas ainda bestas com a novidade, olham pra todos os lados, dão voltas tentando encontrar a saída, fazem perguntas bobas aos guardinhas, embasbacadas pela novidade. O cidadão sai à tona no Largo da Batata, de onde extirparam até mesmo o nome. Ali é Faria Lima, o nó, o enrosco, o estorvo antes dominado pela ralé foi varrido para perto dali. Agora tudo é nobre, tudo vale muito dinheiro por metro quadrado.

Sobraram pistas de quem passou por ali. No calçadão, que antes era rua suja, uma mancha de gordura, do óleo dos espetinhos para chamar a freguesia, insiste em colar no chão. A duas quadras dali, olho para o lado e vejo o homem da barba grossa, saindo de um depósito puxando uma carroça. Morre o burro, fica o homem.

Ouvindo: Garotos Podres - Vomitaram no Trem

Monday, May 17, 2010

A Virada dos Ladrões

Fértil como a terra preta é a mente do vilão. Esse é o mote de quem não entende como o celular saiu do bolso durante a Virada Cultural. Entra na confusão, empurra daqui, grita de lá e quando bate a vontade de fazer aquela ligação, cadê o celular? Nesse intervalo de um minuto, o aparelho já tá bem longe, chip num bolso, telefone no outro.

'Olha aquele aí, cola nele', um ladrão fala com o outro, o olho amarelo sem muita expressão, a cicatriz na mão, o casaco de quem espera muito mais frio do que está por vir. Cada um sai na festa com um olhar: uns observam as cocotas que passam pela rua tumultuada, outros tão de olho nos moços mais charmosos. Eu tou de olho na movimentação da massa, quem é quem, quem vem lá, dois função. Tem ladrão por todo lado, sempre andando em dupla, sempre mirando bolsos e bolsas, falando baixinho, mirando os alvos. E eles saem observando as vítimas, um telefone aqui, um bêbado de bolso frouxo por lá.

A mente é fertil e cria técnicas infalíveis: o primeiro passa, esbarra no ombro do freguês, que se vira pra ver de onde veio o encontrão. Nesse ínterim o segundo leva a mão leve ao bolso e tira dali o que acha de mais valor. O freguês segue caminho sem entender muito o que se passou até que toma consciência do preju.

Não tou aqui pra reclamar, o que passa na Virada Cultural é nada mais do que acontece no cotidiano. Vários chave de cadeia passam o dia por ali esperando o próximo trouxa que vai dar mole, não tem ninguém de olho, mão no bolso e já era. Quando colocam-se 4 milhões de pessoas num clima de bebedeira descontrolada, acontece um desequilíbrio enorme entre predadores e presas. As presas, fora de seu habitat, são alvos ainda mais fáceis. Para preservar seu habitat, os predadores são silenciosos, atacam sem deixar rastro para aproveitar a superpopulação de indefesos.

A festa acaba, as presas restantes vão pra casa, uns a salvo, outros mais chateados com o telefone querido que se foi ou a carteira que agora entope um bueiro por aí. Os predadores continuam por lá, vagando pelo Anhangabaú, batendo carteiras minguadas dos poucos que passam por ali sem prestar a devida atenção, sempre esperando por mais uma festa de multidões, um blecautezinho que seja, algo que a natureza da cidade ofereça para que os ladrões do centro tenham mais um dia de fartura.

Ouvindo: Racionais MCs - A Mente do Vilão

Monday, April 26, 2010

E aí, mano?

Mano Brown abre a convenção dando a palavra ao presidente de honra da mesa deste ano, Mano Menezes. Ao fundo pode-se ver o olhar desapontado de Mano El, o maior homem do mundo. No palco, Mano War prapara-se para embalar a platéia ao som do heavy metal, enquanto Mano Wladimir conta histórias do tempo em que sua mãe fundava os tribalistas. Mano Chao, também não muito contente, puxava assunto com o "maior homem do mundo" por ter sido preterido como principal atração musical do encontro. Brista, todo suado, entra apressado para ocupar seu lugar na platéia após deixar em ordem todos os veículos dos convidados. Mano Ginobili foi o último a chegar, diretamente de San Antonio, ainda fedendo a esportista apressado. Tudo pronto. Mano Bronw passa o microfone para Menezes, que assim abre o XV Encontro Mundial de Manos:

- E aí, mano, certo, mano?

PS: Quando os pessoal da Fiel encontra o Mano Menezes, eles chegam falando "E aí, mano Mano, firmeza, mano?

Ouvindo: Xis - Os mano pô, as mina pá

Monday, April 12, 2010

Família, frutas e futricas

Carlos Juliano tinha 23 anos e dois irmãos. Seu apelido era Caju. Cajá era irmão de Caju. Nascido e batizado Carlos Jacinto, tinha Carlos Quincas como irmão mais velho. Cajá era o irmão do meio, posicionado entre Caju e Caqui. A salada de frutas começou a desandar quando Caqui desandou falar mal de Caju para as meninas da vizinhança. Invejoso das investidas do irmão de olhos cor de castanha, Carlos Quincas espalhava frases cifradas pelos muros da quebrada: "Caju podre não presta pra nada". "Caju tem uma castanha entalada no cu". E o nível descia a ladeira junto com os muros, que estavam quase todos tomados pelos escritos de Caqui. Mal a noite caía, Caqui saía de casa com uma latinha de tinta e muita maldade na cabeça. Na cabeça de Caju nem passava a idéia que o covarde que o desonrava era o irmão mais novo, só ficava a tormenta deixada pelos risos velados das meninas. Caju passava, a risada corria, a veia da testa saltava e o mocinho voltava pra casa fulo da vida, querendo saber se o corajoso teria a coragem de dizer na cara onde é que estava entalada a castanha de Caju. Cajá não queria saber de caso e não entrou no meio dos dois, pois sabia que era o Caqui quem fodia a vida do Caju. Cajá queria mais é ver os dois se sabotando, enquanto aproveitava para levantar as saias das meninas, que antes só mostravam as "perninhas" pro Caju.

Ouvindo Caju e Castanha - Embolada

Wednesday, March 24, 2010

Josimar: cabra-macho e matador

Josimar chegou à cidade grande ainda jovem, imberbe, ou quase, uns pelos incomodavam ora aqui, ora ali, sempre juntando o suor em cima dos lábios. Josimar é magro e mede metro e setenta, setenta e pouco, última vez que mediu ainda tava na escola, lá no sertão do Pernambuco.

Josimar quando era moleque gostava muito de pião, quando mocinho gostava de rabo-de-saia, quando cabra-homem gostava de peixeira e rabo de galo. Procalmara-se cabra-homem aos 17 anos, idade quando conhecera Jeruza, fincara-lhe seu membro desajeitado, embarrigara-lhe e matara, diz ele que por acidente, Jacinto, irmão mais velho de sua mulé e projeto mal-acabado de cunhado.

Josimar, que é cabra-homem, não gosta de polícia e meteu logo o pé na estrada, subiu num pau-de-arara e veio pará em São Paulo, de bigodinho suado, banho vencido e bolso rasgado. Logo aprendeu que a peixeira não tinha vez nas ruas dessa cidade, que bolso vazio não pára em pé e que rabo-de-galo custa muito mais que do lado de sua casa, na venda de seu José.

Josimar logo conheceu seus conterrâneos, arrumou um canto num cortiço e um emprego numa cozinha. Arrumou um dinheirinho, suado, mirradinho. Ali na vizinhança conheceu colegas que também prezavam pelo risca-faca, arrumou um rabo-de-saia e logo virou o maior tomador de rabo-de-galo do bar de seu Joaquim. Aprendeu a cozinhar, fazia coxinha, picadinho, costela, mocotó, feijoada, rabada, buchada, peixada, macarronada, carne assada, galinhada e mais uma caralhada de prato que lhe dava nó nas tripa só de imaginar.

Josimar não comia no bar, tinha nojo daquilo tudo, da vontade tola das turmas que passavam por ali. Não agüentava os pedreiros bebendo tubaína com a boca cheia de comida, ficava sem fome ao ver os pedreiros limpando boca brilhante de gordura com as costas da mão, arrotando alto o feijão quase fervendo que comiam apressados para descansar na sarjeta antes de voltar subir aqueles andaimes sem fim.

Josimar gostava mesmo era de Jane, vizinha safada que mostrava o perigo que morava em suas saias toda vez que o paraíba era o próximo na fila do chuveirinho vagabundo improvisado no quintal. Rabo-de-galo, Jane e peixeira eram as coisas que ele mais gostava nesse mundo, assim nessa ordem mesmo e sua vidinha seguia entre o caminho de casa, o cortiço e a caminha suada de sua mulé.

Josimar passou dois anos nessa vida, servindo virado às segundas, bife à rolê às terças, quarta-feria era feijoada. Quinta tinha massa, sexta era peixe e a feijoada de sábado tinha cheiro de folga. Sábado às quatro da tarde era hora de cair na rua, atravessar a cidade, parar no seu Joaquim e encher o bucho com rabo-de-galo e qualquer tira gosto pra não cair no chão. Ensandecido, partia para o banho, goma no cabelo e Jane pro forró.

Josimar era cabra macho, sangue quente, honrado como um cavaleiro das histórias que os contadores que passavam pela sua vila fantasiavam. Josimar não gosta do jeito que Geraldo olha para Jane. Josimar deixa escorrer pelos lábios o último gole de rabo-de-galo, tomado às pressas, aos soluços, enquanto Geraldo funga o cangote de sua morena de cabelos loiros. Josimar treme das pernas, mas tem as mão decididas que miram na faca de cozinha em cima da pia do bar. Josimar agora é um só, cabeça, coração, entranhas, seu bucho cheio de cachaça, todo o conjunto do cabra que vinha lá de Cabrobró queria ver o sangue de Geraldo lavar a sua honra.

Josimar apanha a faca num instante, aperta em seu punho e anda com uma pressa cambaleante em direção ao casal. Josimar puxa Jane pelos cabelos e a joga no chão. Josimar dá a primeira facada nas costelas de Geraldo. Josimar tira a faca, o sangue espirra e logo dá uma no bucho do lazarento, outra no pescoço, o sangue pintando o salão. Josimar mata. Josimar comemora. Josimar resfolega, gira em torno do cadáver. O forró está parado, ninguém mais tem vontade de dançar. Josimar foge desembestado pelas ruas da cidade. Josimar encontra a polícia ao lado de seu quarto. Dentro da penitenciária, Josimar termina o relato de sua experiência ao lado dos irmãos do Reino das Testemunhas de Jeová.

Ouvindo: Gabriel O Pensador - Faça o Diabo Feliz

Monday, March 22, 2010

Fodeu!

O blogger me obrigou a adotar o "novo modelo" para que eu pudesse atualizar alguns links. Daí tudo perdeu a forma e eu não entendo mais nada do modelo. Não que fosse um layout decente antes, mas agora tá abaixo do aceitável. Preciso de ajuda com o desenho gráfico. Pago com minha escrituras.

Ouvindo: Raul Seixas - Capim Guiné

Wednesday, March 17, 2010

Security: existe vida sem ressaca?

- Nossa, que cara é essa? É ressaca?

Essa foi a frase que marcou o início da quarta-feira, dia seguinte à poção mágica chamada Security. Para resumir a história, encontrei por aí um link que me levou à uma página de uma bebida que evita a ressaca. Passei do nome pra composição, da composição pro preço e, indignado, lavei o burro no "fale conosco".

Pra minha surpresa, logo veio a resposta dos pessoal dos marketing da empresa, dizendo que não era bem assim, que Security funcionava e que me desafiavam a provar o milagre: três ou quatro dias depois estava lá a encomenda em casa, duas garrafinhas de 30 ml de Security.

Marquei o teste para a terça-feira, segui todas as recomendações e saí ao encontro dos amigos no tradicional bar de Dorival Caymi. Como queria realmente testar o produto, fechei a noite cervejeira com uma espremida de Velho Barraqueiro com limão e um torresmo à pururca.

Quinze minutos mais tarde estava em casa, em frente à geladeira, tomando minha garrafinha de Security bem gelada. O gosto até que é agradável, mas não chega nem aos pés do saborosíssimo Taff Man E. Com a segurança na barriga e a loucura na cabeça, deitei pra dormir.

Desmaiei na cama, acordei sozinho (a mulé sempre briga porque eu ronco que nem um animal quando bebo). Horário de sempre, o que cheguei em casa e o que acordei. E a mesma sensação de cansaço pós balada que a quarta-feira carrega à mais de 5 anos. Tá certo que talvez o Velho Barraqueiro teria dado uma dor de cabeça se eu não tivesse tomado o Security, mas o milagre de acordar sem ressaca não se realizou.

Lembrando que, de acordo com o Houaiiiiisss, ressaca é "...2 Regionalismo: Brasil. Uso: informal. mal-estar causado pela ingestão de bebidas alcoólicas". Com a promessa de "ressaca nunca mais", Security para mim ainda parece muito pretensioso.

Ouvindo: AC/DC - For Those About to Rock (We Salute You)

Friday, March 12, 2010

Breve homenagem a Glauco




Posso dizer que sou quase intocável pela violência, quase não me emociono com nada. Hoje ao chegar na firma me deu um negócio escroto ao saber da morte do Glauco, um embrulho no estômago, um arrepio maligno. Resumindo, quase chorei. Bandido safado, tu vai tombar na próxima curva. A diferença é que o Glauco vai ter enterro, tu vai pra cova rasa.

Mais do Glauco.

Ouvindo: Deep Purple - Sometimes I Fell Like Screaming

Wednesday, March 10, 2010

O correto homem que pagava seus impostos

Indignado, o cidadão anda na rua mostrando a todos suas infinitas notas fiscais, todas emitidas em três vias, a branca pro cliente, amarela pro comerciante e a rosa pra receita federal.

Gritava com olhar perdido, dividindo o horror que é pisar nas ruas, declamando decor e salteado seu número de contribuinte, sua senha do iTunes e seus rendimentos com a última restituição do IR.

Gabava-se de seus DVDs originais, de nunca ter patrocinado nenhum pirata, de nunca ter falhado com suas obrigações, seja na cama, seja na urna. Assim como loucos pregando o fim do mundo, pregava ele ao léu a sua certeza de ser bom, correto, honesto, legal, atencioso, preocupado, altruísta, construtivo e outros adjetivos que perdi no meio de sua loucura.

Olhavam-no com desprezo ou curiosidade, xingavam-lhe, não lhe davam bola. Era só mais um louco que tentava vender sua loucura pelas ruas de São Paulo. Quase ninguém prestava atenção no homem que fazia de tudo por um país melhor.

Aí que surge um moleque, ao lado de outro moleque. As caras sujas denunciavam a falta de casa e o exagero de loucura que a rua oferece quase de graça para os destemidos.

Gabava-se de seus feitos, de nunca ter feito uma lição de casa, de nunca ter comprado quase nada, nunca tinha pegado uma nota fiscal na mão e achava que imposto era nome de jogo ou de cidade.

Esse era quase o único espectador da pregação do primeiro louco, começou a prestar atenção nele enquanto gritava algo sobre "essa merda de país tá uma bosta". A frase chamou a atenção porque o menino adorava palavrão. O menino logo cresce os zóio no telefone gringo na mão do profeta e aproveita seu devaneio para tomar o precioso das mãos do correto pagador de impostos.

No meio da confusão um pedaço de papel branco cai no chão, a nota fiscal do telefone novo, propriedade privada de direito inalienável. O moleque não dá bola. Não seria aquela a primeira nota fiscal de sua vida.

Ouvindo: Blasted Mechanism - Battle of Tribes

Friday, February 05, 2010

Sobre a arte de xingar

O amor escorria por entre as entranhas e se transformava em raiva antes mesmo de sair. Pedia para parar, mas não cessava escorrer, não cessava arder, cessava amar. A raiva tentava fugir pelo cantinho do olho, tentava tremer a mão. Tentava ele se controlar, os braços cruzados na frente do peito, a perna esquerda que dobra e desdobra, contrai e relaxa. Não, não relaxa. Tensiona até a última força. Suporta. Suporta o estardalhaço das meninas que almoçam em bom som. Gritam enquanto fofocam. Treme enquanto fofocam. Bufa, respira, engole. Seco. O telefone da garota ao lado toca em cima da mesa. Limite.
"Puta falta de respeito da porra, essa merda! Telefone do caralho, isso é o lugar do almoço, não é a puta da sua casa. Tomar no cu, caralho"
Resiste. O pensamento não se espalha. Analisa o quanto os complementos do sujeito dão mais valor aos seus pensamentos. Respira. Levanta. Sai.

Ouvindo: Motorhead - No Class
Trechinho: Shut up, you talk too loud! you don't fit in with the crowd...

Wednesday, February 03, 2010

Tessália, essa música é pra você, que sempre foi alucinada por grandes emoções



É isso, amigos, deixo aqui uma música em homenagem à moça do Big Bróder Brasil.

AK 1200 & Danny Breaks tocam Deep Porn. Recomenda-se volume alto e forte. Não precisa ter vergonha, não é você que está gemendo.

Divirtam-se. Eu conheci essa música através do disco Mix Massive Party, de Elisa do Brasil, DJ francesa que apavora no Drum & Bass. Tomara que a moça goste.

Ouvindo: The Profesionals - Flava' 4 Raver

Tuesday, January 26, 2010

Na subida do morro é diferente

Sempre ouvi essa frase no rap que tá no disco do tributo ao escadinha. Cortemos o glaglaglá que pessoa desse naipe não merece tributo e coisa e tal e vamos direto à frase.

A princípio, parece não ter um sentido muito específico, dizer que "na subida do morro é diferente" não quer dizer grandes coisas. Porém, na minha interpretação da música - e da vida, por conseguinte - isso faz um sentido tão claro que fica impossível de explicar.

Conversando com meu irmão sobre um certo acontecido e compartilhando minhas opiniões sobre o assunto com os outros, esse significado apareceu mais uma vez. A subida do morro é a particularidade de quem canta o rap. É o que acontece com ele, e só com ele. Ali é sua área. Ali é o seu acontecimento. Ali ele dá as cartas, ali ele sente.

Aí, na subida do morro é diferente. Eu tenho a subida do meu morro, as coisas que me dóem diferente de como dóem nos outros. É a minha área, é o assunto que eu domino, é ali que eu vivo, é ali que eu sinto. E ali, por mais simples que as coisas possam parecer pros outros, pra mim é diferente. O movimento é geral, o sobe-desce, sobe gente, é tudo da minha conta, tudo do meu interesse. Quem sabe em breve eu libere de novo a passagem pro alto do meu morro, mas por enquanto, o crime não é o creme e quem vacilou segue pagando.

No fim das contas, o trecho do rap é um sample dos originais do samba. segue o trecho:

O movimento é diferente, o cumprimento é diferente
.........Alô como vai, como é que é }
bis
.........Alô como vai, como é que é }
.......Como em toda jogada e jurisdição
...Tem sempre o cara que quer ser o bom
Mas nossa rapaziada é bem destacada
...Não dá confiança pra esse bobão
Esse é o tipo atrasado.......por fora das grandes
Jogadas......desatualizado geral
......E ainda diz que é valente }
Que bate faz e acontece, no meio de tanta gente }
.......Ele está antecipando o seu próprio fim.

Ouvindo: Kl Jay + Xis - A Fuga