Thursday, June 30, 2011

A verdadeira história de Jesus de Nazaré

-Aê seus indecente, tão com sede, é? Se liga naquele tonel cheio d'água, eu vou transformar tudo em goró e vocês vão parar de me encher o saco.

Assim foi feito o primeiro milagre de Jesus de Nazaré, moço pobre, filho de um carpinteiro e de uma dona de casa. Cansado das eternas brigas entre Seu Zé e Dona Maria - Zé não acreditava que Jê era realmente seu filho - o jovem decide sair de casa, portando apenas uma túnica surrada.

A barba e o cabelo logo ficaram longos e descuidados. O estilo desapegado e a fala mansa atraíram os mais diversos seguidores, sempre a alguns poucos passos daquele que passaram a chamar de Mestre. Pedrão e Dedé, ambos pescadores, foram os primeiros a juntar-se ao nazareno. Largaram barcos e redes e passaram a andar por esse mundão afora arrastando túnicas e falando bobagens em praça pública.

A trupe de Jesus multiplicou-se e, um mês depois de ter deixado a periferia de Jerusálem, a turma já contabilizava 13 andarilhos, todos rotos e mal lavados. Apoiados nos xavecos do mestre, pouco necessitavam: fartavam-se em doações, esmolas e mesmo favores prestados pelas admiradoras desses homens de espírito livre. Porém, passando por um lugar ermo e sem habitantes para saciar a fome do bando, o desafio do trabalho atormentou as almas do povo de Jesus pela primeira vez. Judas, conhecido pelo apelido de Isca, lançou:

-Pô, Jê, dá um tempo aí nessa caminhada, mano. Tô com a maior sede aqui, faz dois dias que nós não come. Vai ter jeito de continuar assim não.

-Ô, irmão, dá um tempo pra mim. Cês só pedem, cara, tá louco.

Tiago, o menor da turma, aderiu à causa de Isca:

-É mesmo, Jesus, tá osso aqui. Mó sede, mó fome e cê não tem nenhum amigo pra descolar algum pra gente.

Foda-se. Bando de pau no cu, uns puta midá-midá do caralho. Que que eu fiz pra merecer isso, meu Deus? Além de ser filho de corno, virei pai de 12 marmanjo forgado. Dá força pra mim, Deus, me ajuda, senão eu mato um desses filhadaputa.


Depois de pensar isso, Jesus sente um arrepio. Julga ser a fome, ou a sede. De saco cheio, propõe que sigam caminhando até encontrarem abrigo. Lá resolveriam tudo. Cinco horas depois, encontram uma casa abandonada à beira de um lago. Na varanda, um grande tonel cheio d'água. E nada mais. Jesus propõe:

-André, arruma um jeito de pescar nesse lago. Ainda deve ter uns peixes por aí, a gente pode fazer na brasa.

-Tá me tirando, Jê? Todo mundo aí sentado e eu vou ficar no sol pescando? Tô de boa, viu?

Puta que me pariu. Puta mesmo, aliás, caralho, gente. Deus, me ajuda, não aguento mais, vou matar esse cara agora, na porrada mesmo. 

Jesus pensa mais uma vez e é tomado por uma fraqueza. Desmaia. Volta a si e vê a turma toda em volta de si. Levanta e diz, cheio de raiva:

-Aê seus indecente, tão com sede, é? Se liga naquele tonel cheio d'água, eu vou transformar tudo em goró e vocês vão parar de me encher o saco.


Palavras pronunciadas, milagre feito. Vinho tinto fino jorrava infinitamente do tonel. Judas Tadeu, conhecido como o Juta, é o primeiro a deitar-se debaixo da fonte de vinho e beber até soluçar. André vê a chance perfeita de fugir de vez da tarefa de pescar pra 13 barrigas esfomeadas. Chama Jesus de lado e começa, baixinho:

-Pô, Jê, moral você, hein? Tava pensando aí, será que não dava pra você dar um jeito no rango aí pra gente? Eu ainda tenho um pão muqueado aqui no bolso, mas falta uma carninha, né?

-Firmão, Dé. Mas busca pelo menos um peixe na lagoa pra eu tirar o modelo, vai?

Ouvindo: Michal Menert - In the Morning