Tuesday, June 03, 2014

Festa do Inferno

Terra de ninguém. Quinze minutos atravessando o vinhedo nantês ao volante do caminhãozinho. O caminhãozinho, que carrega uma cozinha e litros de muscadet, vira em frente à esfinge do Looksor, que guarda o bar- única construção em alvenaria naquele lote. O resto ainda não saiu dos containeres, à execeção da roda gigante que ja ocupa seu lugar definitivo para fazer passear os festivaleiros do HellFest, em bom português, festa do inferno.

Nada como terra de ninguém para ressucitar uns mortos. Iron Maiden, Aerosmith, Slayer, Megadeth, sendo a lista não exaustiva. Os monstros do roque reunem-se nessa cidade cercada por uvas e garrafas que, juntas, fazem o Muscadet du Pays Nantais. Precisamos encontrar o responsável.

O campo, que 335 dias por ano é dedicado ao nada, é controlado pelos intermitentes do espetaculo, espécie em extinção formada por anormais, psicopatas, timidos; descoloridores de cabelo, tatuados e botinudos, todos muito gentis. O responsável chegou e dirige um quadriciclo fumacento, bermudas jeans que ja foram calças e coturnos azuis. Fala como quem tivesse acordado e lavado a boca com muscadet. "Eu tenho suas chaves". Obrigado, santo homem, mas esse cabelo ta meio feio.

O restaurante é o primeiro "prédio" que saiu dos containeres e foi montado com bastante lona branca, plastico e ferro. As portas estão abertas para uma temporada em que os intermitentes virão ocupar nossas mesas a cada meio-dia ou hora da janta. Entradas, saladas, frutas, carne, carne, peixe, carne; frango também. Doces, tortas, bolos, queijos; café e bolachas, sanduiches. Leitinho e pãozinho de manhã. E vinho - tinto, branco e rosado.

A lona abre e mostra o salão vazio que vai virar cozinha  assim que esvaziarmos o caminhãozinho - os caminhões eram três. Duas toneladas de material, de diferentes tamanhos, pesos, importancia e matriz energética cabem em três caminhões - dois deles poderiam ser confundidos com vans, mas o ultimo era um caminhão por certeza. Desce a chapa, desce o forno; empurra a geladeira, cuidado com o fogão; traz a pia mais pra cá, bota o lava louças pra trás. Cuidado com o fio, olha o dedo, porratápesadopácaralhoessaporra. Em uma hora de trabalho conta-se 5 pessoas para descarregar três caminhões. Tudo isso para cozinhar para monstros e intermitentes.

Com as mesmas 5 pessoas é preciso mais 1h30 para botar tudo em seu devido lugar e criar a cozinha que vai fazer comer até 600 pessoas por serviço em seu auge, assim que todos os fornos, chapas e fritadeiras estiverem quentes o suficiente para que os garçons, vestidos em camisa branca, possam bradar em frente ao barracão que os monstros poder vir todos tomarem seus lugares e uns copos de muscadet e:m nossa espelunca.

Tudo esta em seu lugar e espera pela volta dos intermitentes em seus quadriciclos para que cada elemento da cozinha crie raiz. Deixamos o "cuidado pra não dar curto-circuito" e o "bota uma espuma de sabão pra ver se o gás ta vazando" praqueles caras. O responsável volta, um homem sem nenhuma decência e temor ao julgamento, corte de cabelo manga chupada, tingido de azul. A parte sem cabelos é tatuada de um tribal que dá a volta ao globo. O responsável garante: amanhã tá tudo conectado. Monta o veículo da festa do inferno e parte deixando poeira em terra de ninguém. Fico a esperar os monstros.

Ouvindo: Underworld - King of Snake