Wednesday, May 26, 2010

Linha 4 Amarela do Metrô: obrigado Serra por limpar essa porra de cidade

Ontem: Subindo a R. do Sumidouro olhei para o lado e reconheci um rosto enigmático que aparece no fim do documentário "De Passagem: 24 Horas no Largo da Batata". O homem de barba grossa e grisalha, que olha para a câmera entortando a cabeça, saía de um depósito de sei lá o que. Talvez até tenha me reconhecido, quem sabe?

Hoje: Os lojistas saem às portas das lojas, lojas que ficam num calçadão que antes era rua suja e fumacenta, marcada pela casa de artigos de umbanda ocupando soberana a esquina. Não estão agitados, só guardam uma esperança que a máquina de carregar gente traga pessoas para gastar dinheiro ao lado da Estação Faria Lima.

O metrô da linha 4, amarela, cem por cento construído com o suor do rosto de José Serra, carrega gente diferente daquela que antes se apinhava por ali esperado um ônibus que as levassem para longe dali. Pessoas importantes que carregam pastas, mulheres de cinturas finas, equilibristas em saltos altos finíssimos, que deixam escapar às olhadelas furtivas a renda de seda nobre de suas calcinhas.

Ontem: Em um bar na Cunha Gago um homem assa espetinhos de carne, exagerando no óleo para chamar a freguesia. Putas baratas mostram com vontade a renda barata de suas calcinhas rotas e mal lavadas. Equilibram-se em tamancos de plataforma, alugando o corpo por 15 reais. O que a prefeitura varreu do Largo da Batata foi parar logo ali do lado, onde ônibus que levam as pessoas pra longe ainda enfumaçam as ruas e uma loja de artigos de umbanda ocupa soberana uma esquina.

Hoje: No Metrô da Linha 4, Amarela, é proibido se jogar nos trilhos. Para isso, o José Serra planejou e montou uma ante porta, a porta antes da porta do metrô, por onde só podemos passar quando o metrô abre a porta. Ele também não separou os vagões, tudo é um trem só e podemos ver que o metrô, assim como nós, o metrô desce, o metrô sobe, o metrô faz curvas. Limpíssimo como a cidade vai ser.

As pessoas ainda bestas com a novidade, olham pra todos os lados, dão voltas tentando encontrar a saída, fazem perguntas bobas aos guardinhas, embasbacadas pela novidade. O cidadão sai à tona no Largo da Batata, de onde extirparam até mesmo o nome. Ali é Faria Lima, o nó, o enrosco, o estorvo antes dominado pela ralé foi varrido para perto dali. Agora tudo é nobre, tudo vale muito dinheiro por metro quadrado.

Sobraram pistas de quem passou por ali. No calçadão, que antes era rua suja, uma mancha de gordura, do óleo dos espetinhos para chamar a freguesia, insiste em colar no chão. A duas quadras dali, olho para o lado e vejo o homem da barba grossa, saindo de um depósito puxando uma carroça. Morre o burro, fica o homem.

Ouvindo: Garotos Podres - Vomitaram no Trem

Monday, May 17, 2010

A Virada dos Ladrões

Fértil como a terra preta é a mente do vilão. Esse é o mote de quem não entende como o celular saiu do bolso durante a Virada Cultural. Entra na confusão, empurra daqui, grita de lá e quando bate a vontade de fazer aquela ligação, cadê o celular? Nesse intervalo de um minuto, o aparelho já tá bem longe, chip num bolso, telefone no outro.

'Olha aquele aí, cola nele', um ladrão fala com o outro, o olho amarelo sem muita expressão, a cicatriz na mão, o casaco de quem espera muito mais frio do que está por vir. Cada um sai na festa com um olhar: uns observam as cocotas que passam pela rua tumultuada, outros tão de olho nos moços mais charmosos. Eu tou de olho na movimentação da massa, quem é quem, quem vem lá, dois função. Tem ladrão por todo lado, sempre andando em dupla, sempre mirando bolsos e bolsas, falando baixinho, mirando os alvos. E eles saem observando as vítimas, um telefone aqui, um bêbado de bolso frouxo por lá.

A mente é fertil e cria técnicas infalíveis: o primeiro passa, esbarra no ombro do freguês, que se vira pra ver de onde veio o encontrão. Nesse ínterim o segundo leva a mão leve ao bolso e tira dali o que acha de mais valor. O freguês segue caminho sem entender muito o que se passou até que toma consciência do preju.

Não tou aqui pra reclamar, o que passa na Virada Cultural é nada mais do que acontece no cotidiano. Vários chave de cadeia passam o dia por ali esperando o próximo trouxa que vai dar mole, não tem ninguém de olho, mão no bolso e já era. Quando colocam-se 4 milhões de pessoas num clima de bebedeira descontrolada, acontece um desequilíbrio enorme entre predadores e presas. As presas, fora de seu habitat, são alvos ainda mais fáceis. Para preservar seu habitat, os predadores são silenciosos, atacam sem deixar rastro para aproveitar a superpopulação de indefesos.

A festa acaba, as presas restantes vão pra casa, uns a salvo, outros mais chateados com o telefone querido que se foi ou a carteira que agora entope um bueiro por aí. Os predadores continuam por lá, vagando pelo Anhangabaú, batendo carteiras minguadas dos poucos que passam por ali sem prestar a devida atenção, sempre esperando por mais uma festa de multidões, um blecautezinho que seja, algo que a natureza da cidade ofereça para que os ladrões do centro tenham mais um dia de fartura.

Ouvindo: Racionais MCs - A Mente do Vilão