Wednesday, December 09, 2015

2015, o ano da pedra

Toma o ultimo gole da Heineken morna, amassa a lata bem no meio, faz 16 furinhos concêntricos enquanto fuma a grandes tragos. Furos prontos, recupera uma ou duas batidas de cinza bem no meio dos furinhos. Bota a pedra, inverte o isqueiro e dá a primeira paulada. Calça seu par de Doc Marteen's, calça de pular brejo, camiseta branca, suspensorios e uma boina cinza. Continua fumando a quimba do cigarro, cada vez mais pontuda e quente, assim como os olhos, que fervem. "2015 é o ano da pedra", sua fala em direção aos amigos ainda ressoa em sua cabeça a cada vez que queima uma na lata.

Começa a a subir a rua dos Italianos em direção à Luz, dando a tradicional quebradinha pela zona de não direito entre a José Paulino e a estação. Passa em frente uns botecos, lugar onde não entra. Malditos chineses e seus bares por demais iluminados, com os olhos pequenos de tanto jogar videogame. Eles comem baratas e, se eles comem baratas, a gente também come. E transam como ratos, aos montes de gente onde ninguém sabe onde termina cu e começa rola. Pau no cu desses chineses pensa enquanto resmunga e volta a olhar o chão como se fosse horizonte. Assim caminha o craqueiro.

Passa em frente a uma padaria, doze garrafas bem expostas na porta, cervejas com nomes que não querem dizer nada, coloridas, enfeitadas com ursos e cevadas. Rouba tres garrafas de passagem, esticando o braço. Olha rapidamente as três, que segura na mesma mão. Joga a primeira pra trás, por cima do ombro e a segunda espatifa no chão, com raiva, barulho e cacos por todos os lados. Alemã, essa porra de breja.

Abre a eleita com o isqueiro, primeiro objeto a prever quando começa-se um passeio pelo crack. Toma um gole grande, que tem dificuldades pra driblar a goela travada. Acende o cigarro, engole a segunda metade do gole e arrota. Stout, Bears' & Lumbers' Dream, duplo malte, cevada de primeira, torrefi... trorrefica... troreficação e aroma de meu caralho. Forte pra diabo essa porra. Bate mais cinza na lata, bota mais uma pedrinha pra tostar, tosse, fuma, coça a cabeça e solta a fumaça com força, esvaziando de vez os pulmões. Recomeça a andar e a resmungar sobre os chineses e seus videogames. Ouve uma voz anasalada e rouca ao mesmo tempo:

-Tem razão, eles fodem como ratos, todos embolados. E você, seu lixo? Ei, ei, queima-rosca, fumando pedra com o bolsa familia, arrombado?
- Ta me tirando, Jão? Tá achando que cê é quem?

Veste mini saia rosa, bem mini, saltos plataforma envernizados, muita maquiagem. Mede, no máximo, 1,20 m. Pernas grossas, que faz questão de manter peludas. Boca carnuda, ornada com batom rosa com purpurina nos lábios e uma verruga no canto inferior esquerdo. Uma aparição recém saída da Amaral Gurgel.

- Eu sou o diabo, filha da puta.
- Sai daqui, traveco do caralho.

Logo que o caralho saiu de sua boca, sentiu-a secar, a lingua dobrar, a gargantza inchar, o coracão acelerar a a respiração ameaçar parar. O traveco anão e capeta tinha uma única teta no meio do peito peludo e ainda guardava seus mamilos de outrora. O craqueiro tratou de acreditar.

- Você me chamou, agora vai ter que falar.
- Chamei nada...
- Chamou sim. "Stout, ursos e compania, torre.. torresmicada com café, glaglaglá, FORTE PRA DIABO. Chamou sim. Tava te acompanhando desde lá de cima e ouvi você chamar meu nome. Quer o que?

Aliviado depois que o capeta afrouxou a corda, tremia. O coração foi o único que não reduziu o compasso. Suor frio escorre por baixo da costeleta. Malditos desses chineses que fazem essas cervejas com bosta de urso e botam torresmo dentro. Aposto que tem baratas, certeza que tem baratas, eles comem baratas. E transam o dia todo, transam com a mãe, com a vó e com o pai, todos os dias até ficarem grávidos e fazerem um monte de chineses, que ficam jogando videogame até o olho ficar pequeno. E mesmo com aqueles pintinhos pequenos eles conseguem, imagina se tivessem uns pauzão. Malditos esses filhodasputas de chineses, que tem esses bares que piscam muito...

Sem se dar conta que reclamava em voz alta, ficou surpreso quando não viu mais o diabo, que havia anotado seu pedido. Tateia a lata guardada no bolso apertado da calça e acende mais um cigarro. Fuma a grandes tragadas pra fazer bastante cinza. Mais uma volta na roda gigante, é hora. Perambula durante a noite, a madrugada toda e vira o dia na pedra. Passa ao lado de uma banca na rua Newton Prado, onde não vê a manchete do Notícias Populares:

CAPETA SOLTO NO BOM RETIRO: CHINES ENCONTRADO MORTO RECHEADO DE BARATAS

Ouvindo: Roots Manuva - Dreamy Days