Sunday, March 04, 2007

O homem de moleton preto e calças caídas

O homem corre pelas ruas já não tão frias e sente um sorriso brotando em sua cara mal barbeada devido ao vento que não mais lhe corta o rosto. Veste calças largas, que caem conforme acelera o passo. Fazer o quê se não gosta de cintos? Nem cintos nem relógios, era o que dizia desde mais moço. Veste um moleton preto com duas faixas brancas nas mangas, presente dos pais e que rendem a fama de Holligan por esses lados. Corre em direção ao Mc Donalds, procurando nos rostos e nos carros alguma visão familiar, buscando a cara do amigo que fora recém roubado. Logo encontra o dito, arruma as calças e checa sua proteção. Roubar um casaco é coisa que não se faz. Roubar, quando não se precisa do roubado, é coisa de grande filho da puta. Alisava a coronha de sua Taurus PT 58, presente de amigo e quase que um animal de estimação. Os ladrões de merda foram avistados e flagrados a guardar a porra do casaco no porta malas do carro. Dois moleques, ambos bem vestidos, dirigindo carro próprio e roubando as coisas alheias. Se tinha uma coisa no mundo que lhe fodia a cabeça era preibói forgado pagando de malucão. Gentilmente, afasta seu amigo do caminho com a mão no peito, logo interrompe os filhos da puta: "Boa noite, tô a passar um bocado de frio, será que não teriam um casaco por aí, não?" Com a negativa dos moleques, deixou a educação de lado, mas a calma nunca o abandonou. Colocou a mão nas costas mais uma vez e alisou seu bichinho. "Tens a certeza, seu caralho?" Mais uma negativa. Conhecia só uma lei nessa vida, a Lei do Cão. Não conhecia Deus, mas sabia que o Capeta existia e ficava feliz com as oportunidades de mandar mais um ou outro pras mão do Caramunhão. Sacou o revólver delicadamente, como se cuidasse de um pássaro doente ou tivesse um bebê prematuro nas mãos. Sempre nessa hora quem tá errado muda de atitude. Um filho da puta que era malandro há dois minutos parece um bebê. Tem o olhar assustado, olha pra todos os lados, talvez penando pra onde correr ou pra quem pedir ajuda. De nada mais adiantava qualquer coisa, estava agora nas mãos do homem de moleton preto e calças caídas. Mirou o capô do Polo preto e deu dois tiros. Era um vício que tinha desde moleque, nunca atirava um filho único, sempre mandava um par de tiros gêmeos. Um para encomendar a alma. O outro era uma oferenda ao Satanás. "Sabes fazer contas, pois não, puto? São 20 balas. Sobram 18?" A primeira resposta afirmativa do puto. Parecia que começavam a se entender. "São dois pra você, dois pro seu amigo. Ainda sobra algumas pra quando você vier me cobrar". Faz mira no peito do ladrãozinho, não gosta de apagar um cara de repente. Dá-lhe gozo atirar primeiro no peito, ao lado direito e depois manda o próximo balaço na barriga. Tem que ser rápido pra não dar tempo do cara se dobrar antes de levar nas tripas, mas a visão de um filho da puta sangrando pela boca é das melhores coisas da vida. Nessa hora vê-se nos olhos do corno o gosto que tinha pela vida, o arrependimento por qualquer cagada, alguns até chamam o pai e a mãe. Gosta de ver seu inimigo agonizar enquanto for possível e no íntimo torce pra que não morra e apareça um dia para cobrar as balas enfiadas em seu corpo. "Abre a porra do porta malas, seu moleque". O menino treme e nota-se que além de bambas, suas pernas estão todas mijadas. Soluça, mas não lhe correm lágrimas dos olhos. Pega na chave e dirige-se lentamente para trás do carro. Abre o porta malas. Nada além de alguns papéis velhos e sacos de supermercado vazios. Um engano. O puto não tinha nada a ver com a merda toda. "Desculpa lá, não tens mesmo um casaco pra me arranjar. Vamos pra outro sítio ver se achamos alguma coisa". O homem coloca o capuz de seu moleton preto e guarda carinhosamente sua PT atrás das costas. Dá um tapinha no ombro do amigo, convidando-o a irem embora. Caminham lentamente, sem olhar para trás. O vento gelado, que parecia ter ido embora, pelo menos até o próximo inverno, volta a soprar. O homem de moleton preto ajeita suas calças. Acredita fielmente que aquele vento gelado é o Capeta reclamando as almas que ficaram à beira de seu caldeirão.

Ouvindo: Ratos de Porão - Só pensa em matar

4 comments:

Anonymous said...

Sangue no zóio...

lau2m said...

eu tenho medo do dia que o homem de moletom preto e calças caídas realmente saia matando geral...

Roger de Lima said...

Caraio bigode. Muito bom.

Anonymous said...
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