... que eu venho aqui tentar explicar pra vocês a minha relação com a música e como ela pode contar minha história no meu lugar. Certo, isso só faz sentido em minha cabeça, então a amplitude do exercício caminha em progressão geométrica: fazer-vos entender o que toca no radinho da minha cabeça e traduzir -vos as letras das canções. Na última vez escrevi no papel, com caneta vermelha, coisa dura de se fazer em letra miúda: mandei o Raul Seixas tomar no cu, cantei Legião Urbana, Pink Floyd, Ratos de Porão. Mas nada de poder publicar uma grade de programação da minha cabeça. O fato é que todos os dias quando acordo não tenho mais o tempo que passou. Então (finjo que) não tou com medo da morte e acendo uma vela, todo feliz, porque encontrei deus. Hoje acho alucinação o moço Belchior que não está interessado em nenhuma "tiúria", nem romances astrais. O tempo é de reencontrar meu espírito e acreditar nos tais romances. O Kurt veio cantar em casa enquanto eu tava olhando em teus olhos. Marrons, redondos, com cílios negros, finos, mas, sobretudo, de um brilho profundo no negro da tua pupila, aí ele chegou de guitarra cantando que ele ia acender uma vela, felizão, porque ele encontrou deus. O rádio da minha cabeça grava na hora a K7, tá escrito na minha bíblia e eu encontrei deus mesmo. Belchior tava indo embora, pensando nas paralelas dos pneus, não abri a vidraça, não gritei, mas sabes que teu infinito sou eu. Mandei ele parar de ir embora, achando que mandava, mas não mandava nada: o jeito de deixar a tristeza existir e convidar tua amada pra comer um cachorro quente é sublime. Obrigado, Belchior, hoje não choveu, não vai ter água nas ruas, pode ir embora agora. Foi. Voltou o Charlie Brown Jr, meu, tu não sabe oquekaconteceu. Já parou, era interferência. Já falei que o Raul Seixas veio em casa, mandei ele sair fora? Vaza, mano, pé sujo no sofá, comparando eu com um amigo dele, tal de Pedro? Foi logo depois que os Pink Floyd vieram cantando "Time", no sapatinho, falando que cê pode correr, e correr e já tá tudo afundando. Veio o João Gordo, cantando cover, falando que tem medo de morrer, tá aí meu maior defeito, esse medo que não vai embora, criancice pura. Vai fazendo frase solta, jovem místico. Escrevendo pra ver se a alma se manifesta, cantando música. Eu tava aqui pra tentar pasteurizar pra vocês a programação da rádio da minha cabeça e a tarefa torna-se de mais em mais feroz porque a busca de sentido não mais faz sentido: bloqueou no que eu acho que vai ser inteligível. Volto pros teu olhos, salva eu de tudo isso, como tua voz, teu olhar, teu cheiro salvam. Lovage chega, som alto, cantando a gente num bote salva vidas no escuro, mas eu mudo o botão e faço eles cantarem que somos estranhos num trem. Cara, minha rádio tocou tantas músicas pra ti que cê nem imagina. Quando escuto Lovage -Sex (I'm A) eu lembro de ti... fazendo... Eu simplesmente canto com eles. E o que eu queria escrever não é o mesmo que queria agora há pouco, não tenho ideia de como terminar, sobretudo porque a ideia está longe de ser construída. Mas já são dez e meia, hora de baixar o som. Já vai tocando Ozzy Osbourne com o tal do diário de um mano doido, já cheguei pra ficar. Vai vendo, Belchior, se ano passado cê morreu, esse ano eu não morro. Tá tudo bem, Kurt, cê é feio também. Mas, se paro pra pensar em ti, com música ou sem, tou feliz pois encontrei deus.
O que é “puxa saco”?
1 year ago
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