Tuesday, August 02, 2011

Conto do vigário

-Olha, olha, minha gente, mas tem que ter o olho vivo! Quem quer jogar?

O homem veste roupas normais, além de ter uma cara normal. Salvo pelo olhar. É um olhar doce e convidativo, de quem tem certeza do que está fazendo. Tem uma banquinha de madeira leve, coberta por um pano roxo. Três copinhos e uma minúscula bolinha de madeira complementam seu ambiente de trabalho.

-Eu quero!

A velhota usa roupas sóbrias, tem os cabelos bem cortados e tingidos e um par de óculos cor de âmbar. Seu olhar é inocente e também muito convidativo.

-Então fica atenta, minha senhora, que o jogo vai começar. Atenção, atenção, não tire os olhos da bolinha.

Mexe que mexe e troca e troca os copinhos de lugar, numa velocidade incrível. Mesmo assim, para os mais vivos, a bolinha nunca some do lugar.

-Olha lá, vai parar, sabe onde tá a bolinha? Atenção, só mais um pouquinho, pronto.

Levanta as mãos e a cabeça, agora olha em silêncio para a velha. Seu olhar é desafiador. Permanece calado.

-Na do meio!

A velha responde, mal contendo a empolgação de ganhar 50 contos assim, tão fácil. Tinha certeza absoluta: ganhara.

-Vamos lá, vamos ver... É isso mesmo! Bravo!

A velha comemora em silêncio, com um sorriso que deixa mais da metade de sua dentadura à mostra. Pega o dinheiro, guarda em sua carteira e permanece ali, ao lado da banca.

-Quem mais, quem quer jogar? Tão vendo como é fácil? Eu tô ficando velho, não consigo mexer com tanta velocidade. Quem joga comigo, vamos lá? Mas tem que ficar de olho na bolinha!

-Eu!

O passante tem cara de quem não é dali e tem o olhar confiante dos espertos. Passou os últimos 15 minutos observando o jogo e tinha certeza que seus olhos eram mais rápidos que a mão do mestre do jogo. Aposta 50 contos, assim como a velhinha.

-Então olho vivo, meu rapaz. Não tire os olhos da bolinha. Vamos lá!

Mexe, troca, gira. E fala sem parar.

-Atenção, vai parar. Tá de olho? Vou parar, olha lá, só mais um pouco, atenção...

Levanta o olhar desafiante em direção ao apostador e espera em silêncio.

-Tá na esquerda.

-Essa esquerda aqui?

-Essa mesmo.

O apostador fala convicto. Certeza de ter batido as mãos do banqueiro com a sagacidade de seu olhar. Levanta-se o copo. Não há bolinha. O homem vira-se e caminha cabisbaixo, imaginando que, talvez, tenha sido vítima de um golpe. "Mas até a velhinha ganhou", pensa. "Nossa, até a velha tava no esquema", lamenta-se em silêncio, com as mãos nos bolsos, mais vazios que outrora.

Ouvindo: Rappin' Hood - Rap do Bom

2 comments:

Roberto Wolvie said...

Eu acho genial que esse truque seja um dos mais antigos do mundo. E ainda seja encenado do exato mesmo modo.
É algo muito cultural, um folclore.

Laura said...

acho que ele deixou a velhinha ganhar!