-Olha, olha, minha gente, mas tem que ter o olho vivo! Quem quer jogar?
O homem veste roupas normais, além de ter uma cara normal. Salvo pelo olhar. É um olhar doce e convidativo, de quem tem certeza do que está fazendo. Tem uma banquinha de madeira leve, coberta por um pano roxo. Três copinhos e uma minúscula bolinha de madeira complementam seu ambiente de trabalho.
-Eu quero!
A velhota usa roupas sóbrias, tem os cabelos bem cortados e tingidos e um par de óculos cor de âmbar. Seu olhar é inocente e também muito convidativo.
-Então fica atenta, minha senhora, que o jogo vai começar. Atenção, atenção, não tire os olhos da bolinha.
Mexe que mexe e troca e troca os copinhos de lugar, numa velocidade incrível. Mesmo assim, para os mais vivos, a bolinha nunca some do lugar.
-Olha lá, vai parar, sabe onde tá a bolinha? Atenção, só mais um pouquinho, pronto.
Levanta as mãos e a cabeça, agora olha em silêncio para a velha. Seu olhar é desafiador. Permanece calado.
-Na do meio!
A velha responde, mal contendo a empolgação de ganhar 50 contos assim, tão fácil. Tinha certeza absoluta: ganhara.
-Vamos lá, vamos ver... É isso mesmo! Bravo!
A velha comemora em silêncio, com um sorriso que deixa mais da metade de sua dentadura à mostra. Pega o dinheiro, guarda em sua carteira e permanece ali, ao lado da banca.
-Quem mais, quem quer jogar? Tão vendo como é fácil? Eu tô ficando velho, não consigo mexer com tanta velocidade. Quem joga comigo, vamos lá? Mas tem que ficar de olho na bolinha!
-Eu!
O passante tem cara de quem não é dali e tem o olhar confiante dos espertos. Passou os últimos 15 minutos observando o jogo e tinha certeza que seus olhos eram mais rápidos que a mão do mestre do jogo. Aposta 50 contos, assim como a velhinha.
-Então olho vivo, meu rapaz. Não tire os olhos da bolinha. Vamos lá!
Mexe, troca, gira. E fala sem parar.
-Atenção, vai parar. Tá de olho? Vou parar, olha lá, só mais um pouco, atenção...
Levanta o olhar desafiante em direção ao apostador e espera em silêncio.
-Tá na esquerda.
-Essa esquerda aqui?
-Essa mesmo.
O apostador fala convicto. Certeza de ter batido as mãos do banqueiro com a sagacidade de seu olhar. Levanta-se o copo. Não há bolinha. O homem vira-se e caminha cabisbaixo, imaginando que, talvez, tenha sido vítima de um golpe. "Mas até a velhinha ganhou", pensa. "Nossa, até a velha tava no esquema", lamenta-se em silêncio, com as mãos nos bolsos, mais vazios que outrora.
Ouvindo: Rappin' Hood - Rap do Bom
O que é “puxa saco”?
10 months ago
2 comments:
Eu acho genial que esse truque seja um dos mais antigos do mundo. E ainda seja encenado do exato mesmo modo.
É algo muito cultural, um folclore.
acho que ele deixou a velhinha ganhar!
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