Friday, April 15, 2011

Pra não dizer que não falo de amor

Trancados naquele quarto, eram as únicas e últimas pessoas na Terra. Não que isso fosse fato, mas era a sensação. E para ambos, as sensações eram as guias e senhoras de suas vidas. Ali não importava quem era quem, quem faria o que, quem perderia, quem ganharia. Satisfazia-lhes o simples fato de estarem ali, naquele momento, juntos. Contemplar o teto. Sentir o calor que a janela fechada insiste em acumular ao redor deles. Rir das besteiras mais simples. Ver o sol começar a entrar pela fresta da janela. Compartilhar da mesma água, do mesmo ar. Bastavam-se, simplesmente.

Um está deitado ao lado do outro. A cabeça de um apóia-se no braço do outro. A alegria é tanta que um nem lembra do peso que a cabeça do outro faz em seu braço. Não importa. O bom mesmo é estar ali. Com a mão do mesmo braço que suporta a cabeça, um acaricia os cabelos do outro. E contempla a beleza concentrada injustamente em uma única pessoa. As pontas de seus dedos passeiam com carinho pelo seu corpo, perdem-se em desejo. Respira-se muito, ofega-se  mais ainda. O suor escorre, mas nem um nem outro se importa. Bastavam-se ali, naquela hora, daquele jeito. O mundo que fosse dar uma volta.

Os olhos de um conversam com os do outro. Dão pequenas voltas, passeiam pelo rosto. Os lábios, os dentes, o queixo, a pontinha do nariz, nada passa desapercebido, até que os olhos voltam a se encontrar. Fixos, brilhantes e espalhafatosos. Qualquer um que visse aquilo morderia-se de inveja. Mas não há ninguém que possa estar ali. São só os dois. E um infinito de sensações.

Com os olhos fixos nos olhos um do outro, cada um sente a respiração entrecortada, que sai mais pela boca que pelo nariz. Estão entregues ao desejo um do outro. Os lábios se tocam pela primeira vez e os arrepios ganham intensidade. O toque beira o insuportável para a mente e os olhos se fecham para concentrarem-se no que o corpo sente. As mãos, perdidas, passeiam, exploram, excitam. As unhas entram pra festa, mordidas. Sim, o amor é às vezes violento, mas nada que um beijo não cure depois. Bastavam-se e, por isso, não se importavam com nada. O fim da história fica pra depois: é muito embaraçoso falar de amor.

Ouvindo: Patrick Bruel - Les Amants de Saint Jean

2 comments:

Anonymous said...

é muito linda! sei de onde vem...
Show de bola

Toutes mes félicitations Kiki. Dommage que je ne puisse comprendre tes autres nouvelles. Quand démarres-tu ta carrière d´écrivain français?

Julia

Marioninha said...

Alors, quand? Des textes en français, des textes en français!