Wednesday, March 24, 2010

Josimar: cabra-macho e matador

Josimar chegou à cidade grande ainda jovem, imberbe, ou quase, uns pelos incomodavam ora aqui, ora ali, sempre juntando o suor em cima dos lábios. Josimar é magro e mede metro e setenta, setenta e pouco, última vez que mediu ainda tava na escola, lá no sertão do Pernambuco.

Josimar quando era moleque gostava muito de pião, quando mocinho gostava de rabo-de-saia, quando cabra-homem gostava de peixeira e rabo de galo. Procalmara-se cabra-homem aos 17 anos, idade quando conhecera Jeruza, fincara-lhe seu membro desajeitado, embarrigara-lhe e matara, diz ele que por acidente, Jacinto, irmão mais velho de sua mulé e projeto mal-acabado de cunhado.

Josimar, que é cabra-homem, não gosta de polícia e meteu logo o pé na estrada, subiu num pau-de-arara e veio pará em São Paulo, de bigodinho suado, banho vencido e bolso rasgado. Logo aprendeu que a peixeira não tinha vez nas ruas dessa cidade, que bolso vazio não pára em pé e que rabo-de-galo custa muito mais que do lado de sua casa, na venda de seu José.

Josimar logo conheceu seus conterrâneos, arrumou um canto num cortiço e um emprego numa cozinha. Arrumou um dinheirinho, suado, mirradinho. Ali na vizinhança conheceu colegas que também prezavam pelo risca-faca, arrumou um rabo-de-saia e logo virou o maior tomador de rabo-de-galo do bar de seu Joaquim. Aprendeu a cozinhar, fazia coxinha, picadinho, costela, mocotó, feijoada, rabada, buchada, peixada, macarronada, carne assada, galinhada e mais uma caralhada de prato que lhe dava nó nas tripa só de imaginar.

Josimar não comia no bar, tinha nojo daquilo tudo, da vontade tola das turmas que passavam por ali. Não agüentava os pedreiros bebendo tubaína com a boca cheia de comida, ficava sem fome ao ver os pedreiros limpando boca brilhante de gordura com as costas da mão, arrotando alto o feijão quase fervendo que comiam apressados para descansar na sarjeta antes de voltar subir aqueles andaimes sem fim.

Josimar gostava mesmo era de Jane, vizinha safada que mostrava o perigo que morava em suas saias toda vez que o paraíba era o próximo na fila do chuveirinho vagabundo improvisado no quintal. Rabo-de-galo, Jane e peixeira eram as coisas que ele mais gostava nesse mundo, assim nessa ordem mesmo e sua vidinha seguia entre o caminho de casa, o cortiço e a caminha suada de sua mulé.

Josimar passou dois anos nessa vida, servindo virado às segundas, bife à rolê às terças, quarta-feria era feijoada. Quinta tinha massa, sexta era peixe e a feijoada de sábado tinha cheiro de folga. Sábado às quatro da tarde era hora de cair na rua, atravessar a cidade, parar no seu Joaquim e encher o bucho com rabo-de-galo e qualquer tira gosto pra não cair no chão. Ensandecido, partia para o banho, goma no cabelo e Jane pro forró.

Josimar era cabra macho, sangue quente, honrado como um cavaleiro das histórias que os contadores que passavam pela sua vila fantasiavam. Josimar não gosta do jeito que Geraldo olha para Jane. Josimar deixa escorrer pelos lábios o último gole de rabo-de-galo, tomado às pressas, aos soluços, enquanto Geraldo funga o cangote de sua morena de cabelos loiros. Josimar treme das pernas, mas tem as mão decididas que miram na faca de cozinha em cima da pia do bar. Josimar agora é um só, cabeça, coração, entranhas, seu bucho cheio de cachaça, todo o conjunto do cabra que vinha lá de Cabrobró queria ver o sangue de Geraldo lavar a sua honra.

Josimar apanha a faca num instante, aperta em seu punho e anda com uma pressa cambaleante em direção ao casal. Josimar puxa Jane pelos cabelos e a joga no chão. Josimar dá a primeira facada nas costelas de Geraldo. Josimar tira a faca, o sangue espirra e logo dá uma no bucho do lazarento, outra no pescoço, o sangue pintando o salão. Josimar mata. Josimar comemora. Josimar resfolega, gira em torno do cadáver. O forró está parado, ninguém mais tem vontade de dançar. Josimar foge desembestado pelas ruas da cidade. Josimar encontra a polícia ao lado de seu quarto. Dentro da penitenciária, Josimar termina o relato de sua experiência ao lado dos irmãos do Reino das Testemunhas de Jeová.

Ouvindo: Gabriel O Pensador - Faça o Diabo Feliz

4 comments:

Unknown said...

Muito doido o texto, me lembra a historia de algum personagem de Carandiru que se converte misturada com a do grandissimo Alecrim. Mas com o seu grande toque, claro.

Unknown said...

Exato! Ia falar a mesma coisa que o Gustavo! Que bom o texto, né. Gostei muito da série de pratos em 'da'...
De onde surgiu esse texto?

Beijos, e continue a escrever, você tá com um ritmo bom!

laura said...

manodocéu, vc se superou nesse! força, suspense na medida certa, uma fluidez, umas descrições, umas palavras incríveis...

"cabra de Cabrobró": o novo trava-língua do pedaço

ps. eu passei por Cabrobró ano passado (:

Catarina Azevedo said...

muito fixe tristão.
se tivesse um tasco escrevias tu o menu.