Friday, August 15, 2008

A menina, o gato e outras estorias

A corda em volta do pescoço do gato amassava seus pelos, apertava sua goela, entopia suas veias e expulsava sua lingua entre dentes afiados numa expresao de agonia em olhos saltados e umidos. A corda em volta da mao da menina apertava seus ossinhos e deixara uma marca vermelha, que depois soubemos que ficara a admirar esperando pela chegada da avo. O gato com olho saltado e a lingua já vencida não respirava mais, apenas dava os ultimos tremeliques antes de ir para o céu. Uma lagrima corre sozinha no rosto da garota no desenrolar da corda de sua mao. Deixara o gato no armario, acima da pia da cozinha. No seu quarto, espera tranquilamente pela vovo.

A mao velha, tremula e de frageis ossinhos vacila em levar o pesado copo cheio de conhaque com firmeza em direcao a boca murcha e enrugada numa expressao de agonia em seus olhos miopes e alucinados. O armario da vovo, acima da pia da cozinha, esconde de volta a garrafa de Domeq para a ultima dose antes de cruzar a cidade a caminho de sua neta. Atrasada, faz um rapido bochecho com Anapyon, coloca a dentadura, batonzinho e rua. Volta, abre a porta, mete os oculos e alcança um onibus. Uma lagrima faz cocegas no cantinho do olho velho, que a velha amparou com um dedo habil por baixo das lentes. No primeiro banco do onibus, espera melancolicamente pelo encontro.

As patas frageis que mal mantinham o seu corpo de pé tremiam de frio, de medo e fraqueza e seus olhos eram arregaladados e esperançosos, umidos e amarelos. Pela primeira vez do lado de fora do saco velho e nojento onde vivera os ultimos dias, jogado num buraco da rua. Diante dessa impressao de pura agonia, a mae não pudera negar acolhimento ao solitario gatinho ao ver as lagrimas que lavavam o rosto da menina, implorando piedade. No colo da menina ganhou dona e ganhou nome e, seus olhares, mais alegria. Atras do volante, a mae dirigia preocupadamente para casa.

Os dedos finos e bem marcados tremiam ao ponto da manicure advertir do perigo de corte pelo afiado alicate que comia ainda com exatidao as pequenas cuticulas. Explicava o atraso contando do pobre gatinho pretinho e magrinho que deixara a pouco em casa. A sogra atrasada para passar a tarde com a neta, a mulher atrasada para o seu amante. Escolhe esmalte vermelho, confere o baton e rua. Apressada, volta atras dos oculos escuros. Caminha ansiosamente para o encontro.

A mao calejada e decidida do homem percorre o corpo da amante entre gemidos e sussurros da mulher casada, preferencia cultivada desde os tempos de moleque na praia do Gonzaga. Os olhos castanhos e castigados em amarelo por alguns anos de abusos imploravam pelo carinho da mulher, que passou impune diante dos olhos do estivador uma unica vez na feira-livre. Pedia detalhes constantes sobre os planos da concubina, o golpe no marido, quem cuidava da garotinha. Combustivel extra que tanto o excitava e colava a mulher aos seus pés. Agora aliviado, respira ofegantemente esperando pela proxima vez.

A aliança humilde treme junto com a mao que desligava o telefone, a perna vacilava e o coraçao dava sinais de confusao. A filha falava sobre um acidente fatal, sobre sua avo e um gato desconhecido. Parara o primeiro taxi que vira e pedira pressa ao motorista, caso de vida ou morte e outras barbaridades preso no transito a beira mar. Na porta de casa pensava sobre o pior, sua mae dura e velha com aqueles olhos arregalados e frios mirando o primogenito. Aliviado e surpreso avistava agora a mae retomando consciencia, sua filha ao lado amparava a vovo. A velha contava que trepara na banqueta para alcançar algo escondido no fundo do armario, acima da pia da cozinha. O susto com o gatinho pretinho morto ao lado do leite em po mandara a velha desmaiada para o chao. A velha fora salva pelo gato. Os dedos firmes e castigantes do pai entranhavam-se aos cabelos da menina e uma lagrima fora expulsa pelo canto de seu olho esticado e arregalado. Uma lagrima raivosa fica presa dentro do olho do pai, que espera furiosamente pela mulher que volta da feira.

Ouvindo: DJ Shadow e The Cut Chemist - Brainfreeze

4 comments:

Marioninha do Brasil said...

Moi j'ai adoré, il faut que tu écrives plus!
A quand le livre de contes qui te rendra célèbre?
T'es le meilleurs mon coeur!

Gros poutous

Anonymous said...

lembrei da história do cara que colocou o gato no freezer, como era mesmo o nome dele!?
furiosa a descrição dos olhos, massa!

Anonymous said...

Mais mais mais mais mais!!!

Anonymous said...

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