Monday, February 18, 2008

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Achava que nunca teria dificuldades para escrever sobre qualquer coisa que fosse, ainda mais escrevendo assim, desse jeito, um jogado de palavras na tela, sem pensar muito na palavra que vem em seguida, sem saber se o que vem escrito antes está grafado corretamente, sem prever o final de algum personagem de antemão, fazendo disso tudo um exercício de fluxo de pensamentos a serem registrados e publicados para quem quiser ver, ler ou passar adiante.

Acordara naquela dia disposto a registrar tudo novamente, num vômito de palavras que falavam sobre sensações, histórias e personagens mal digeridos durante os tempos que passara sem escrever. Sentara-se ao posto de escriba, disperso por janelas laranjas que piscavam em sua barra de ferramentas. Queria contar sobre o cinema, as aulas que tivera com os filmes de catálogo assistidos com atraso. Queria passar para quem quisesse ler as sensações que tivera ao ver o pessoal de Dogville. Descrever com exatidão os paralelos que traçara com a sua vida, com seus amigos suas famílias. Criar para seus leitores uma Dogville encravada no interior de São Paulo, de onde pessoas amedrontadas haviam mandado-no embora há anos atrás. Desejava imensamente transmitir o choque ao ver pessoas conhecidas dentro da tela de TV atuando em Requiem para um Sonho.

Deixara de se sentir tão especial, levara fortes tapas na cara ao ver que coisas que acreditava ser ou viver eram tão comuns que hoje não passam de roteiros de filmes bem vendidos. E o problema é que nada saía para a tela do PC, o pensamento se confundia com outras histórias, outros capítulos que teriam de ser contados separadamente, mas que, em sua cabeça, eram todos conectados, causais e consequentes. Nada saía que valesse a pena ser contado. Resolveu parar o trabalho e voltar para a observação.

Tamborilava com os dedos na mesa, tentando fazer com que aquela corrente de palavras voltasse à sua mente. Não vinha, a solução era essa e não tinha mais volta. Faria como os diretores de cinema fizeram com ele durante todo o fim de semana. Decidir que naquela hora toda a história chegaria ao fim, quer o espectador esperasse, quer não. Seria só colocar um ponto final, um derradeiro, mas que viesse após uma frase que desse aquele efeito de fim. Sabe quando o homem sai andando pelo parque, a câmara afsta-se do personagem e sobem os créditos? Ou quando os dois mocinhos libertários são assassinados sem motivo por dois caipiras desconhecidos? Aumenta atrilha sonora, sobem os créditos. Mas não seria naquele dia. O tempo de escrita já se tornava um recorde. A contagosto, aperta o botão do mouse no botão que tornava o texto irreversível. Uma breve visualização, efêmera como o que ali ficara registrado. Gira a cadeira. Deixa o computador para trás, sem olhar para trás. Caminha em direção ao quarto. Sobre a trilha sonora. Sem créditos.

Ouvindo: Jackson do Pandeiro - Chiclete com Banana

4 comments:

Anonymous said...

cabeça vazia é a casa do diabo. e copo vazio também.
hahaha

Marioninha do Brasil said...

Wahou...pourquoi tás écrit quelque chose de si triste? Ca me fait presque mal au coeur...

Douglas Kawaguchi said...

Ducaralho. Curti!

Roberto Wolvie said...

Porra, bom demais.
Nem comparação, seu texto ficou muito bem cerzido. Mesmo você (presumo eu, pela sensação que o primeiro parágrafo empresta) tendo escrito mais em uma porrada só em vez de procurar cada combinaçãozinha, o texto pegou uma pua força.
E matou a pau: escolher a frase final, a rasteira, é o que guia o espírito no final do trabalho. Até nos comentários.