Tuesday, February 22, 2011

Não pergunte ao moço

- Moço, posso saber sua religião?

O moço fora pego de surpresa, estava escorado na parede. A sola de seu tênis sujava a tinta em que encostava. Fumava um cigarro de filtro vermelho. Lucky Strike, se não me engano. Não estava preparado praquilo.

- Por que?

O moço queria ganhar tempo. Perguntou "por que" soltando fumaça, tanto pela boca quanto pelo nariz. A fumaça cobria seu rosto enquanto pensava em uma saída.

- Por nada, pra saber só.

O moço tira o pé da parede, se desescora, se imposta. Barriga pra dentro, peito pra fora. Lembrava das eternas palavras de seu tio. Seu tio tirava sua concentração diante do inquisidor. O inquisidor continua impávido e paciente.

- Mas como assim, isso é pergunta que se faça? Que troço mais deselegante.

A paciência do moço vai indo cada vez mais longe. Na verdade, a paciência já tinha ido embora e o que sobrara era mera gentileza.

- Né isso não, senhor, é só uma pergunta. O senhor tem religião?

O moço acende outro cigarro. Traga fundo, quase não tem fumaça pra sair. Olha o maço. Putaqueopariu, tá acabando essa porra. Tá acabando assim como a gentileza, assim mesmo, de uma hora pra outra.

- E o que você tem a ver com isso, rapaz?

Fuma. Bate a cinza nervosamente com a ponta do indicador. Só faz isso quando está nervoso. Quando não, bate com o dedão contra o começo do filtro. Suja o chão. O chão é a maior testemunha que ele passou por ali e fumou. Entre cinzas e quimbas, podia-se dizer que o moço esteve naquele mesmo lugar, tranquilo, por pelo menos uma hora. Salvo se ele fosse um fumante compulsivo, claro. A pálpebra salta, o fôlego perde ritmo, o lábio fica frouxo. O moço está realmente nervoso. E não vê saída digna praquela situação.

- É curiosidade. Perguntar ofende, por acaso?

O moço perde a calma de vez, apaga o cigarro pisando-o no chão. Suja mais ainda seu quadradinho, que outrora poderia ser chamado de um lugar para relaxar. Ofende, claro que ofende, seu grandissíssimo filhodaputa. A mão direita fecha de ficar branca. A mão está travada e parte com força em direção à fuça do curioso. O curioso toma um soco servido no nariz e cai. Ele está sufocando com o sangue, que escorre tanto pela boca quanto pelo nariz.

- Calma moço, eu só queria saber qual é sua religião.

Ouvindo: Lovage - Pit Stop

3 comments:

Marioninha said...

Nossa.... aconteceu com você, isso?

Bigode said...

Non, claro que non.

Chico Gambiarra said...

Certas palavras trazem conseqüências inexplicáveis.