A história de Gilbert K., hoje conhecido como o maior líder metropolitano do mundo começou quando ele era ainda moço, de barriga menos proeminente, mas de uma vontade política poucas vezes vista. Representante de classe na 5ª série A, conseguiu com que a sopa fosse servida em pratos descartáveis ao invés dos abomináveis pratos de plástico duro alaranjados. Na universidade liderou o Diretório Acadêmico da Escola Politécnica da USP e seu grande trunfo foi, em meio à toda agitação política em torno dos atos institucionais, de garantir uma faxina diária nas dependências do DA.
O homem que deixou os sofás da Poli mais limpos tinha a boca seca por poder. Seu amigo Rodrigo puxou a fila e Gilbert K. Veio colado logo atrás, conseguindo infiltrar nos ouvidos do povo a vinheta “quem sabe, sabe, vota comigo”. De deputado estadual para candidato a vice prefeito de fachada, o caminho foi curto e sempre amparado pelo seu amigo Rodrigo, Rô para os íntimos.
Fato que antes conseguia camuflar, quando prefeito, Gilbert K. era marcado de perto pela sua mãe, dona Jaci. Extremamente movida pela limpeza, dona Jaci queria que o filho, hoje comandante de uma metrópole, conseguisse colocar a cidade ao seu gosto, limpa, sem gente porca dormindo ao relento, sem meninos ramelentos dormindo porcos e sujos de cola.
Como bom voyeur que é, Gilbert K. passava parte de seu tempo camuflado em meio aos populares, de bonezinho enfiado na cabeça e camisa de promoção. Suas andanças rendiam-lhe suas maiores idéias, como colocar grades para separar os bancos de praças em 4 lugares. Dona Jaci não conteve suas lágrimas quando viu um daqueles mindingos sofrendo para se ajeitar embaixo do banco. Finalmente, a vitória dos limpos e justos estava começando a dar frutos.
Certo dia, Gilbert K. fazia sua caminhada escondido entre o populacho que vagava pelas ruas do centro da cidade. Enquanto imaginava qual seria o tipo de triunfo que dava nome a uma rua suja como aquele, Gilbert K. foi abordado por um dimenor, nitidamente noiado, com os olhos perdidos e uma só idéia: “Passa a grana aí, tiozinho”. Sem querer estragar seu disfarce, nosso herói abriu a carteira e deu duas notas de R$ 50 ao jovem infrator.
Saiu sem olhar pra trás, assim como o ladrão havia recomendado, porém, com seus sentidos aguçados de justiceiro, entrou num bar sujo e, sentado em uma banqueta suja, com os braços apoiados em um balcão sujo, pediu um copo de água descartável e seguiu observando seu assaltante pelo espelho da prateleira do bar. Viu que o menino não hesitou em comprar todo o dinheiro em pedra. Aliás, guardou R$ 3 para comprar um maço de cigarros e, contente de ter 12 pedras de crack e 20 cigarros do Paraguai, sentou-se na sarjeta, isqueiro numa mão, lata na outra. Começou o seu espetáculo doentio e queimou rapidamente a 1ª pedra.
Cinco minutos depois, queimou a segunda e assim foi, a cada cinco minutos uma pedra ia pra cabeça e, em uma hora e dez minutos o menino começou a ter um treco, se debatia todo na rua em convulsões e, em questão de instantes, não se mexia mais. Uma lágrima corria discretamente no rosto de Gilbert K., profundamente tocado pela cena.
‘Por que eu não tinha pensado nisso antes?’Dar ao povo a liberdade que o povo quer. Se eles querem saúde, damos saúde. Se querem segurança, eu dou segurança. Se querem educação, damos-lhe educação. E se querem crack, por que não damos crack? A solução estava ali, nítida, clara e funcional. Gilbert K. logo colocou em ação todos os seus secretários, que rapidamente já tinham um plano a ser posto em ação.
Voluntários passeariam pelo centro da cidade e arredores, nos lugares mais sujos da meterópole, com o bolso cheio de dinheiro e um extenso treinamento em como ser assaltado com segurança. Depois disso, era só ficar ali observando a desgraça dos assaltantes, preencher os relatórios, anexar fotos do caminhão de lixo que passa para buscar os corpos e brindar com Gilbert K. mais uma pá de lixo que foi mandada para longe de nossa cidade.
Ouvindo: Ez3kiel - Versus