Ontem: Subindo a R. do Sumidouro olhei para o lado e reconheci um rosto enigmático que aparece no fim do documentário "De Passagem: 24 Horas no Largo da Batata". O homem de barba grossa e grisalha, que olha para a câmera entortando a cabeça, saía de um depósito de sei lá o que. Talvez até tenha me reconhecido, quem sabe?
Hoje: Os lojistas saem às portas das lojas, lojas que ficam num calçadão que antes era rua suja e fumacenta, marcada pela casa de artigos de umbanda ocupando soberana a esquina. Não estão agitados, só guardam uma esperança que a máquina de carregar gente traga pessoas para gastar dinheiro ao lado da Estação Faria Lima.
O metrô da linha 4, amarela, cem por cento construído com o suor do rosto de José Serra, carrega gente diferente daquela que antes se apinhava por ali esperado um ônibus que as levassem para longe dali. Pessoas importantes que carregam pastas, mulheres de cinturas finas, equilibristas em saltos altos finíssimos, que deixam escapar às olhadelas furtivas a renda de seda nobre de suas calcinhas.
Ontem: Em um bar na Cunha Gago um homem assa espetinhos de carne, exagerando no óleo para chamar a freguesia. Putas baratas mostram com vontade a renda barata de suas calcinhas rotas e mal lavadas. Equilibram-se em tamancos de plataforma, alugando o corpo por 15 reais. O que a prefeitura varreu do Largo da Batata foi parar logo ali do lado, onde ônibus que levam as pessoas pra longe ainda enfumaçam as ruas e uma loja de artigos de umbanda ocupa soberana uma esquina.
Hoje: No Metrô da Linha 4, Amarela, é proibido se jogar nos trilhos. Para isso, o José Serra planejou e montou uma ante porta, a porta antes da porta do metrô, por onde só podemos passar quando o metrô abre a porta. Ele também não separou os vagões, tudo é um trem só e podemos ver que o metrô, assim como nós, o metrô desce, o metrô sobe, o metrô faz curvas. Limpíssimo como a cidade vai ser.
As pessoas ainda bestas com a novidade, olham pra todos os lados, dão voltas tentando encontrar a saída, fazem perguntas bobas aos guardinhas, embasbacadas pela novidade. O cidadão sai à tona no Largo da Batata, de onde extirparam até mesmo o nome. Ali é Faria Lima, o nó, o enrosco, o estorvo antes dominado pela ralé foi varrido para perto dali. Agora tudo é nobre, tudo vale muito dinheiro por metro quadrado.
Sobraram pistas de quem passou por ali. No calçadão, que antes era rua suja, uma mancha de gordura, do óleo dos espetinhos para chamar a freguesia, insiste em colar no chão. A duas quadras dali, olho para o lado e vejo o homem da barba grossa, saindo de um depósito puxando uma carroça. Morre o burro, fica o homem.
Ouvindo: Garotos Podres - Vomitaram no Trem
O que é “puxa saco”?
10 months ago