Monday, October 13, 2008

O buraco do espelho está fechado

Publico aqui hoje essa música, que pra mim não é bem uma música, parece mais com um poema que descreve bem uma situação que vivi lá ontem. A descrição é perfeita, na hora do surto a pessoa fica fechada do lado de dentro do espelho, todas as portas estão fechadas. É difícil quando não reconheço ali naquela pessoa todo o amor incondicional a mim dedicado durante a maior parte do tempo e a minha voz dissolve-se no vento, enauqnto busco desesperadamente seu olhar. Seu olhar está morto e atravessa meus olhos rumo a lugar algum. Preso aqui do outro lado, resumo-me à covarde tarefa de gritar seu nome, em meio a chacoalhões e abraços desajeitados. Torço para que voltes logo, que a porta se abra e possamos nos reconhecer mais uma vez. Estou aqui do lado de cá e, como não me permites do lado de lá, fico esperando, dormindo com os dois olhos abertos, molhado de suor gelado e de rancores e remorsos que impedem a luz de ir embora de meus olhos. Onde estiveres, que esteja em paz.

O Buraco do Espelho - Arnaldo Antunes e Edgar Scandurra
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí

pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some

a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve

já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada

o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora


Ouvindo: MV Bill - Traficando Informação
trecho: "bebe pra vacilar, por isso que eu te digo, seu otário, se não sabe beber, bebe mijo"

Friday, October 10, 2008

O desmaio

A pior hora é a do teto preto que começa a se abir e o angulo de visao improvavel que observa as falas ressonantes daqueles que tornaram-se de repente estranhos. Quando a claridade volta nao se sabe onde está. Sensaçao de ter acordado no meio da rua como se tivessem tirado-te a cama e jogado-te no centro da cidade depois de um sonho estranho e forte. A cabeça colada ao chao duro tenta filtrar os olhares curiosos daqueles que passavam por aquele momento. Suas vozes macias tinham um som a pincipio disforme, mas que logo trazem conforto enquanto reconhece aquele teto e as camas com rodinhas. Maca é cama escrita ao contrario. Todos os sonhos e piadas recentes passavam pelo cerebro atordoado durante o rapido sono ali no chao do hospital. Tempinho depois daquela cobra que tentava comer outra cobra que vira ali no Butantã passar rapido pela cabeça, surge o rosto do médico dizendo que estava tudo bem.

Tudo começou com o japones cutucando com demasiada força e diminuta astucia o corte profundo, em forma de V, de onde o sangue fluia livre frentes as vistas do medico e do paciente. A agulha recheada de anestésico nao encontrava pouso em meio ao machucado, que perdia forma com os movimentos do japones. O sangue que busca sair do corpo a todo custo e a tricotagem executada pelo maldito japones traziam dor, falta de ar e vertigem. Bateu o pé umas tres vezes no chao enquanto tentava respirar fundo, numa inutil e enganosa tentativa de controlar a mente que dava sinais de interferencia em sua sintonia. Maldito japones que me colocou ali sentado num banquinho, de frente para a maca e de olho colado no sangue que corria sobre a mao esquerda, vendo a pele virando-se de um lado para o outro, impossivel saber se ainda parte de mim ou pedaço perdido para uma faca velha de cozinha. Falta o ar, falta a corrdenaçao dos pensamentos, a viagem do desmaio chega antecipada antes mesmo de tombar ao chao. Pensa-se em coisas cada vez mais distantes dali. Sente-se que algo foge de dentro de ti. Nota-se o colapso que está chegando e logo as trevas chegam de vez. O corpo desliga-se em sinal de protesto. A mente encarrega-se da programaçao de sonhos que dao a puta da impressao de que acordou-se no meio da rua. A voz suave da enfermeira traz-me de volta para onde estive antes, na cama do hospital, o dedo agora duro e gelado de anestesia. Costura logo, japones maldito. Logo chega uma vizinha de maca, o mesmo corte profundo e sangrento, em forma de V, bem ali do lado do dedao do pé. "Pai, tou com medo!" Queria muito dizer pra ela ter calma, que era coisinha a toa. Chega um doente de verdade, faixa tingida de sangue na cabeça e dores lastimosas pelo corpo. Hora dos machucadinhos irem pra casa.

Ouvindo: DJ Shadow - Product Placement (side A)