Tuesday, July 11, 2006

Passou pela minha cabeça matar mas eu não matei

Dois corvos bem pretos pousavam nos ramos altos do mato que tomavam posse da praça. Se existem corvos no Brasil? E em São Paulo? Foi bem o que eu me perguntei mesmo,mas não sabendo o nome deles, preferiu chamar de corvos mesmo. Depois de breve interrupção em seus pensamentos fixos e obstinados, continuou sua caminhada, ora firme, ora relutante. Era a primeira vez. E não fazia aquilo por fama, dinheiro, mulher e pó. Fazia porque era um legítimo preibói forgado, cansado de não saber mais o que pedir pro papai ou comprar com seu Amex Unlimited. Era isso mesmo, sede de aventura, sangue nos óio, ver qual era a reação deles, se teriam coragem de apagar pra sempre sua existência, mandá-lo pra casa do caraio. Racha não tinha mais graça, bater em traveco muito menos. Brigar com polícia já tá fora de moda, tem muito mais gente com muito mais talento pra isso. Continuou sua caminhada, estava a poucos metros do banco. Bem vestido, cabelo da moda, óculos grandes de armação grossa, como manda a muderrrnidade e passo largo. O oitão fora comprado há pouco lá na São Remo, na boca do Rogerinho. Duzentos e cinquenta contos e é claro que aproveitou pra pegar dois papel, um pra antes e um pra depois do trampo. Pediu licença, cheirou o papel inteiro, como de costume e saiu. Caralho, duzentos e cinquenta paus por um trinta e oito velho, de numeração raspada e duas balas? Duas balas?
- Se você precisar das duas você tá fodido. Aliás, se precisar de uma, tá fodido!*
O alvo era o Banco do Brasil e a hora era aquela. Pouca coisa passava por sua cabeça naquela hora: porque o Brasil saiu da Copa, será que minha mãe morre dessa vez, será que o carro novo saiu da concessionária? Olhou de relance para os corvos, como numa despedida silenciosa de duas espécies que se entendem sem pensar. Chegou na porta do estabelecimento e avistou o primeiro inimigo, uma guarda gorda, negra de dreadlocks nos cabelos. Iguais ao que tinha feito no último verão. Contou mais dois guardas, ambos no térreo. Ficou fitando e pensando em nada por uns bons minutos e rapidamente resolveu recuar. Não sabia ainda se queria matar e resolveu roletar o revólver, daí não seria culpa dele. Roleta russa, sabe como é? O cara deu azar de cair na vez dele. Olhou para o chão e viu lama em seus tênis. Não é de bom tom assaltar um banco com os pés sujos de lama, pensou, enquanto procurava uma poça d'água para limpar os pés. Agora era sério. Entrou na agência com cara de quem quer pagar uma continha, no máximo duas duplicatas. Encarou a giratória com esse espírito, imaginando a cena do guarda pedindo pra colocar na caixinha qualquer objeto metálico que estivesse portanto. Bullshit, a porta era uma merda e o seu companheiro passou juntinho com ele, preso na cintura da calça, nas costas, como sempre sonhou. Subiu o lance de escadas e entrou na fila, eram dezessete a sua frente. Esperou calmamente até chegar sua vez, observando um atendente em particular, meia idade, olhos azuis bebê e cabelos bastante grisalhos. Perfeito para um galã de novela das oitos, já que Tarcísio Meira e Antônio Fagundes enfim concordaram em fazer papéis adequados à idade. Filhos? Talvez quatro, duas meninas, esposa bonita e dedicada. Salário baixo, horas extras além da conta. Um homem comum, batalhador, que não mereceria aquilo.
Mas...E se? E se ele nem tivesse família? Ou se ele espia as filhas enquanto tomam banho pensando na amante que encontra todos os domingos na praça Bendito Calixto? E se ele for um dos meus? E se eu parar de pensar? Sentia um certo cagaço, enquanto o penúltimo homem a sua frente ouviu "próximo"! Foda-se. Era ele ou ele. Pediu em silêncio para alguém que o estivesse escutando que não fosse aquele caixa que o atendesse. Uma gota de suor rolava de sua testa, fazendo o peso e o barulho de uma bola de boliche. "Próximo"! Caralho, era ele. De cabelos grisalhos e tudo. Colocou a mão nas costas e fechou os olhos. Segurou o oitão, colocou o dedo no gatilho, nunca tinha pensado que fosse tão duro de apertar. Continuou de olhos fechados, segurou mais firme no gatilho e apertou. Clic. O caixa, com uma voz serena, só o que faltava para ser galã, continuou seu trabalho:
- Sua vez, senhor.
Abriu os olhos e disse "pois não", enquanto tirou o revólver da cinta, colocou diante da têmpora e apertou o gatilho. Era a sua vez na brincadeira e não teve medo de brincar.
Tiro. Barulho. Gritos.

* O Homem que Copiava

Ouvindo: Consciência X Atual - Contos do Crime - Grupo de rap de Ribeirão Preto. O título do post é o mote da música em questão

3 comments:

Anonymous said...

o estilo de Rap "torce que sai sangue"...os gangsta's brasileiros...mas, será que não existe muito preibói forgado por aí com a mesma idéia na cabeça!?..."O mano outro dia foi pro saco/ele achou engraçado/ele tirou um barato/ele ri, ele tira todo mundo de cusão/hum...falou, bandidão"...é engraçado, mas, um post desses pode ser o sonho de consumo de muitos que não sabem mais o que consumir...animal...Conto(s) do Crime...hehe...abraço, muleque!

lau2m said...

"Passou pela minha cabeça matar mas eu não matei"... mas ele se matou, ué!
Vc só pode ser louco!
Mas eu gostei mesmo assim. Fiquei me imaginando na situação dele.
Muahhh!

Viciado Carioca said...

com quem? EU que te pergunto com quem...

Pra mim, eu tenho certeza que vou encontrar o Jim Morrison. Ele vai estar lá com um doce na boca, vai me encarar e vai dizer: "você quer entrar no meu bar? Eu sei que você acordou cedo e comprou uma cerveja mas isso não te dá um carimbo pra area vip."

E eu não tenho resposta pra isso. Não ainda.