... que fui confeiteiro em Saravá, pequena cidadezinha no interior longínquo do fim do mundo. Estava só passeando. É, foi isso, tinha saído pra comprar um Marba. Mas não tava fugindo de casa não, era só pra comprar o careta e voltar. E andei. Parei pela primeira vez logo naquela esquina lá perto de casa. Um grupinho jovem
revolts discutia. O clima esquentava enquanto garotas baixinhas de saias e botas gritavam sobre o que
ele tinha feito com ela. Que
ele não prestava, tava fodido. Outras baixinhas de muito rímel gritavam Pára Pára enquanto os vidros cediam aos doces pedidos das mocinhas.
Continuei andando, hipnotizado pelo desejo do maldito. Andei pela cidade descendo avenidas e subindo alamedas, olhando o passo apertados das solas velhas por aí. Subi em ônibus, carros e caminhões. Certo caminhoneiro me disse que lá onde ele ia tinha o que eu queria. E muito mais. Resolvi descer, com medo de achar tudo e não querer mais nada. Segui por outras estradas, menos movimentadas, voltava parta outras mais congestionadas. E um dia parei. Avistei uma vendinha com a propaganda do que eu queria. Pedi. Paguei. E li o anúncio: precisa-se de confeiteiro. Aceitei e virei o confeiteiro oficial de Saravá.
A rotina era simples e o turno era leve. Alguns doces pela manhã, bolos à tarde e sonhos no final do dia. Seu Quim estava feliz. Doces, bolos e sonhos para todos. E o bolso enchendo. Confeitava e pensava sobre a casa, a esquina e as alamedas e as avenidas. Lembrava dos raros sorrisos e da pouca conversa. Os olhares escapavam alcance, até mesmo da memória. Pensava ser melhor assim, enquanto comia mais um sonho, só pra experimentar mesmo. Os doces não caíam mais tão bem. Os bolos eram feitos sob medida, longe da criatividade um dia apresentada. Mas era aquilo que queria. Saravá sempre foi conhecida pela sua hospitalidade, todos dispostos a acolher um novo amigo. E assim fui ficando por lá, criando uns cabritos e umas galinhas. Ganhando dinheiro suficiente para fumar uns cigarros e dar uns passeios na praça.
E foi de repente (pelo menos é assim que os nativos contam)... estava fazendo um bolo, daqueles de noiva, bem enfeitados e coloridos. O aroma de baunilha exalava a felicidade dos noivos. O carro do
bifê já estava na porta da vendinha, esperando pela arte final. Parou. Parei. Olhei pros lados e vi que não tinha mais cigarros, nem no bolso nem na vendinha. E saí. Comecei andando por Saravá, lá pertinho do fim do mundo, ônibus, estradas, avenidas e alamedas... E a mesma menina gritando: Pára!
Ouvindo: The Doors - Waiting for the sun