Thursday, January 19, 2012

Pessoas são eternas; ja os diamantes...

Julião Pestana acorda, como todos os dias ha muito tempo, às 6h da manhã em sua cama de solteiro. Não se lembra ha quanto tempo chegou a um acordo com Dona Aparecida para que cada um dormisse tranquilo em seu canto. Veste-se como ha muito tempo: calças sociais, tenis de corrida - aqui cabe um parenteses, sao os tenis mais modernos e baratos que se podem encontrar no mercado francano. Toma certo tempo para passar a cinta em volta da barriga para dar mais sustentaçao à hernia que acompanha-lhe ha um tempo que nao conta mais. Veste a camisa. Falta um dia para completar seus 90 anos.

Nunca soube ao certo a idade de meus avos. Quando criança, Juliao sempre dizia ter "mais de 200 anos", o que rendia risos e descrença na cara dos netos. Agora sei que ele é normal, tem apenas 90 anos - o que se pode notar pelo tamanho de suas sobrancelhas e pela sabedoria de seus conselhos. Tudo o que sei sobre mulheres (e o amor, consquentemente), foi Juliao quem me ensinou. Ensinou tudo que eu sei sobre pipas, fazer a cola na panela,  cola que ele chamava grude. Ensinou-me que as duras mais severas fazem parte de amar. Ensinou-me que a distancia é algo pouco importante quando se ama alguém, pode-se cultivar e cativar pessoas com uma simples palavra, mesmo que anos e muitos quilometros as separem.


Por que perco-me em essas lembranças? Quantos anos tinha a vo Bianda quando ela resolveu deixar essa terra? Nao sei, perco-me simplesmente em lembranças, as quais invento e adiciono detalhes, apago desgotos e apego-me aos sentimentos que meus avos fizeram brotar. Se hoje gosto de cozinha é tudo culpa da Dona Sebastiana, que topava qualquer parada e resolvia tudo com suas panelas e seu jeito despachado de receber e servir. Se hoje tenho esse jeito besta de rir de quase tudo e de sorrir ao ponto de parecer imbecil, devo a vo Picida e ao seu jeito unico de cobrir a boca enquanto ri timidamente depois de qualquer gracejo.


Pessoas vivem pra sempre, não importa o que aconteça. Vivem dentro de mim. Mesmo os amigos mais distantes, mesmo quando seus rostos, vozes e cheiros são fugidios em minha memoria, guardo a esssencia, o sentimento, alguma palavra, o ultimo sorriso, o ultimo abraço que tive: fazem parte, sao o que sou. Mesmo que tenham mais de 200 anos. 

Juliao toma seu café pausadamente, café forte e doce de receita marcada na leiteira pela força do uso. Bota seu aparelho auditivo e caminha calmamente em direção à sala de estar para buscar seu jornal. Amanhã é seu aniversario. O mais estranho é que ainda faltam muitos anos para que meu avo chegue à idade em que o conheci. Duvido muito que ele chegue aos 220 anos, mas, dentro de mim, vive a eternidade. Julião nunca tocou um diamante.

Ouvindo: Noir Désir - Le Vent Nous Portera