Friday, May 20, 2011

Delegado Paixão

Delegado Paixão, conhecido por ser incorruptível e linha dura, pega mais um malfeitor em suas mãos. O bandido, novato que era, ainda não havia sequer ouvido falar nesse nome. Pouco teme, tem olhar confiante de quem quer continuar desafiando a lei, mesmo que preso em suas garras.

- Vai, dá o nome dos parceiros logo pra gente poder ir jantar e acabar com essa porra logo, vai.
- Vou dar nada não, não sei de nada.
- Olha, eu vou perguntar mais uma vez. E é a última, entendeu?
- Tendi.
- Quem tava contigo no assalto?
- Sei de nada não.

Paixão nunca perde o tom sereno. O investigador e o escrivão que o acompanham na sala de inquéritos sabem bem disso. E sabem que o delegado não estava contente com as respostas. E têm certeza que as respostas apareceriam, mais cedo ou mais tarde.

- Altair, busca lá meu alicate?

O alicate de cabo alaranjado e cabeça enferrujada é sua ferramenta preferida de trabalho. Desde que virou delega, Paixão não gostava de atirar, não gostava de algemar, não gostava de perseguir. Gostava de persuadir, convencer, argumentar. Era assim que ele eufemisava seu passatempo predileto: torturar.

- Tá na mão, chefe.
- Então abaixa a calça dele pra mim, Altair.

O olhar do meliante muda, o sorrisinho maroto some de seu rosto e ele começa a chacoalhar na cadeira.

- Cuidado, menino, você vai cair, vai machucar.

Paixão é sádico em seu olhar, em sua fala. E o bandido percebe isso na maciez da voz do delegado enquanto grita e protesta pelas calças e cuecas, que nesse momento, já estão no chão.

- Você é destro?
- Quê?
- Você escreve com qual mão, meninão?
- Com essa aqui - diz enquanto agita a mão direita atrás da cadeira.
- Essa aqui qual, não tô vendo.
- A mão que não é a do relógio.
- Então você é destro, moço. Aprendeu? Como é que fala então?
- Quê?
- Destro. Você tem problema no ouvido?
- Destro. Aprendi sim, aprendi.
- Então vamos lá, vamos começar pela direita.

Com calma, Delegado Paixão vai direto ao saco do assaltante. Não tem nojo, não vacila, nem nada. Pega um monte de pele em volta da bola direita, segura com firmeza com a ajuda das unhas - sempre com a manicure em dia - e, com a mão esquerda, aplica força na empunhadura do alicate. A ferramenta pressiona o escroto do malfeitor, que tem enormes dificuldades pra respirar.

- Tá passando mal, menino? - pergunta o delegado, ao mesmo tempo em que afrouxa um pouco a pegada do alicate.
- Para, para, para pelamordedeus!

Paixão adora quando pedem-lhe misericórdia. Adora porque ele nunca é misericordioso. Ele gosta do que faz, ama, aliás. Imediatamente após o primeiro 'para', Paixão aperta mais uma vez o alicate e sente o testículo esmigalhando na ponta de seu aparelho. O bandido desmaia, deixando a cabeça cair pra trás. Urina-se todo e só não se caga porque não tinha pronto.

"Tão vendo? Dois minutos atrás era o maior homem do mundo. Não sabia de nada, nem me dava confiança. Agora tá aí, todo desmaiado, todo mijado o filho de um corno. E ainda fala que é bandido". Paixão pensa falar com seus colegas, mas eles, de tanto terem ouvido a mesma coisa, mal prestam atenção. "Isso aqui é uma máquina de fazer justiça", dizia enquanto brandia o alicate no ar. O bandido começa a retomar consciência, balbuciando, babando e balançando a cabeça pendente.

- Acordou, menino? Achei que você ia tirar uma soneca mais comprida ...
- É... que... ahn...
- Tem alguma coisa pra me falar? - o delegado pergunta e ao mesmo tempo acaricia o rosto do preso com o alicate. O medo já dominou o criminoso, que treme e tenta desviar a cabeça.
-Vamos meu filho, conta logo pra gente poder ir comer uma pizza. Quem tava contigo na cena? - o delegado pergunta mais uma vez, com a mesma calma da primeira, enquanto abre e fecha o alicate diante dos olhos do interrogado.
- Era o Teco.... o Neco.... e o Brasa. Eram eles. Tão tudo fugido lá pra Zona Sul. Eu não sei de mais nada, eu não sei, eu não sei, pelamordedeus, eu não sei de nada, eu não sei.

Delegado Paixão já está de costas para Jelcimar de Souza, preso em flagrante portando um revólver calibre .765, sem numeração e com 7 projéteis deflagrados. Já havia conseguido o que queria e odiava ouvir reclamações sobre seu trabalho. O escrivão já sabe que vai sobrar pra ele, que hoje não é dia de pizza pro subalterno.

- Waldemar, tira o depoimento dele. Eu e o Altair vamos jantar. A gente te traz um pedaço de pizza, fica tranquilo.

Ouvindo: Tha Trickaz - Saigon to Paris

Tuesday, May 03, 2011

Nelson, o grosso

Chega alguém e bate à porta. O homem sai, encara a visita e dispara:

- Tá vendendo alguma coisa?

- Não.

- Tá pedindo alguma coisa?

- Não...

- Então vaza!

Esse é Nelson. Gordo, alto, de cabelos loiros e ensebados e olhos azuis. Nelson é grosso. Não é insensível, não é mal educado. Simplesmente, grosso.

Certa vez abordado por uma testemunha de Jeová que oferecia insistentemente um exemplar de "Despertai", Nelson gentilmente pergunta: "A senhora não teria um mapa do metrô, seria muito mais útil pra mim".

Mas nem sempre Nelson é educado em suas grosserias. Às vezes tem a sensibilidade de um elefante sem tromba.

- O jogo do Santos é hoje, Nelson?
- Sei lá, tenho cara de gandula pra saber dia de jogo?
- Credo, Nelson!
- Credo é o diabo que te carregue. Vai tomar no teu cu.

Nelson não usa relógio. Mesmo assim, quando em situação que o desagrada, olha pro pulso e diz lacônico: 'adoraria, mas já deu minha hora'.

Nelson, apesar de grosso, é um profissional. Diretor de criação em agência grande, salário gordo que paga carro de quem tem pau pequeno, viagens, vinhos e luxos. Sua última ideia encaminhada para a Heineken: um close de um menino de rua na Cracolândia fumando pedra na inconfundível lata verde. Os dizeres "Olha a minha marca. Chupa", complementariam a peça. Antes de juntar suas coisas e ir para o olho da rua, Nelson dispara:

- Bando de ignorantes do caralho, vocês não sabem de porra nenhuma.

Ouvindo: AC/DC - Little Lover