- Dá a galinha. Dá essa galinha logo, moço.
O homem tem fome e está irritado, agitando apressado um maço de notas novas e caras. Tem bilhetes de 100 e de 50, somente. O outro homem sacode a cabeça pra um lado e pro outro:
- Dou galinha coisa nenhuma não.
O outro homem não tem fome. Tem mesmo uma barriguinha saliente e transpira calma e satisfação. Tem uma galinha gorda embaixo do braço e um saco cheio de grãos ao seu alcance.
São sete horas da noite de um inverno típico da época. A temperatura beira os 5º C e o primeiro homem, além de fome, tem frio. E tem dinheiro, muito, muito dinheiro. Avista um terceiro homem, que carrega bêbado e contente um garrafão de vinho.
- Vende esse vinh'aí pra mim, senhor?
O terceiro homem não tem frio, tem alegria de sobra e também não tem fome. Reparte o vinho com o dono das galinhas e sempre comem juntos, enquanto bebem em comemoração à fartura.
- Vender vinho é coisa que se faça?
- Tenho dinheiro. Tenho um monte de dinheiro, dá seu preço que eu compro seu vinho.
Chega o lenhador carregando um feixe de lenha, as mangas arregaçadas e o suor na testa. Parece nem mesmo sentir frio e tem uma cara de total satisfação com seu modus vivendis. Interfere:
- A gente tá pegando dinheiro por esses lados aqui mais não, moço. Issaí serve de nada pra nós aqui não.
O homem, de fome e de frio, treme. E treme mais ainda com a raiva que sobe por seu pescoço e faz sua cabeça latejar. O lenhador continua:
- Dá pra comer dinheiro? Dá pra se esquentar com dinheiro? Essas nota aí dá pra fazer roupa? Dá não, né?
O homem do vinho volta a assuntar:
- Teve um pessoal lá do outro lado do rio que andou comendo dinheiro. Mas falaram que tem gosto bom não. E que não dá muito fogo também não.
O lenhador deixa a lenha no chão e o homem da galinha apressa-se em fazer o fogo. O destino da galinha está selado e não há espaço para mais uma boca nessa mesa. Se pelo menos o homem tivesse algo útil para trocar, era capaz que os três o deixassem roer os ossos e tomar um pouco do caldo. Mas, além da roupa do corpo, o homem só tinha muito dinheiro. E insistia:
- Eu dou tudo pra vocês, tudo, mas me deixa eu dar um gole nesse vinho, dá uma mordida dessa galinha, pelamordedeus, gente.
Seu desespero era notável, mas o dinheiro não mais comovia nenhum daqueles três homens. O dono da galinha deu de ombros, o moço do vinho entornou mais um gole do garrafão. O lenhador definiu a questão:
- Moço, esse dinheiro tem serventia nenhuma aqui não. Se você andar mais umas horas pro lado de lá, pode ser que você encontre alguém que ainda tá pegando dinheiro. Mas aqui isso vai dar certo não.
Tremendo de frio e de raiva, o homem se afasta o suficiente para poder continuar observando o trio em sua ceia farta e bêbada. Tirou parte do dinheiro de um bolso e tacou fogo, que foi alimentando nota a nota. Com fome, começou a mascar uma nota de 100, o gosto era horrível. Queimou as notas uma a uma, que o fogo comia com avidez, deixando uma chama colorida e fria. Observa o homem da galinha, o lenhador e o moço do vinho cantando, abraçando e gritando. Queima a última nota para espantar o frio. O fogo, saciado em sua fome, apaga-se e impede o homem de continuar, mesmo que de longe, participando da festa daqueles que tinham fartura de verdade.
Ouvindo: Birdy Nam Nam - Shut Up
O que é “puxa saco”?
10 months ago