Tuesday, November 04, 2008

A Lei de Gérson é o nosso evangelho


A cidade acorda-me cedo demais e passa a tarde toda brincando de torturar-me com o som incessante dos cachorros que impedem minha cabeça de desligar-se encostada no travesseiro vagabundo, que veio de brinde com o colchão de molas. Falar sobre justiça na vida traz sempre à lembrança a imagem desse sujeito aí em cima e o seu célebre ensinamento que deu à humanidade. Não nasci sabendo, mas tenho certeza que sei desde que me lembro saber que o mundo não é justo e tal e coisa. Assim sendo, posso pressupor direitos de julgá-la de meu modo, sempre justo e imparcial, excluindo-se logicamente toda a subjetividade envolvida no assunto. Acontece que eu amo os velhinhos, acho-os fofos e tenho toda a vontade de aprender com eles, de dar-lhes atenção e tudo mais que um samaritano qualquer desejaria fazer. Porém, desprezo com a mesma proporção os velhos chatos que levantam a mão trêmula fazendo um sinal de pare quando da primeira aproximação. Adoro compartilhar tudo o que posso, lembrando que o limite do comunismo reside nos limites do corpo, porém sinto um asco velado por aqueles que camuflam dividendos, fazem peso no divisor e tomam parte nos restos. O fiel de suas balanças é recheado de gesso e os pratos mais pesados semprem são tendenciosos para o seu lado. Esteja onde estiver, Gerson abençoa-nos reverente enquanto seguimos o seu evangelho de um só ensinamento. A cidade aprendeu com o canhotinha e aplica-nos golpes a cada momento em que estamos absortos com dua impessoalidade. A leve cotovelada para abrir espaço na escadaria do metrô, a cabeça baixa de quem evita medroso qualquer contato que venha do lado de fora de si mesmo. O mesmo olhar fugidio daquele que não consegue encarar o freguês desconfiado do peso da mercadoria, dos infinitos contrapesos colocados para equilibrar a balança viciada, prevendo por parte do vendedor aquele velho golpinho do "eu não sabia". A conta é mais ou menos assim: um pra mim, um pra você. Um, dois pra mim; dois pra você. O que é seu é meu. O que é seu é meu também. Puta matemática errada, aplicada com sadismo pela cidade, que ri descontrolada de mais um de seus filhinhos.

Ouvindo: Aquela vinheta do Danoninho (só os três primeiros versos)