... devem, em algum momento, se calar. E o primeiro passo pra essa brincadeira começar é aprender a mandar elas calarem a boca. Na moral, sem brusquidão, mansinho. Cala a boca. Pode botar por favor, pede direitinho. Calou? Agora aconchega-te no teu lugar, abre os olhos, o nariz concentrado, a pele à flor dela mesma. O tempo deve desacelerar, o tempo é teu, bota areia no mecanismo do Rolex e absorva tudo o que a cena mostra. Tua sobrancelha esquerda levante muito quando falas sobre jeitos de enganar teu desejo. Tua boca enrijece-ce. Ouço mais bemóis que notas naturais. Tenta convencer-me de que queres o que não queres, os ouvidos estão desligados. As palavras são bonitas, intencionais, encadeadas, lógicas. Mas elas estão agora caladas e é em teus lábios que concentro-me e eles não estão de acordo com tua boca. Teu peito tampouco. Difícil olhar e ficar concentrado, a mesma coisa vale para a boca, teus dedos que se emaranham em teu cabelos. Concentra-te, olhas as palavras voltando pra te atormentar. Sente o cheiro da cena, é bom. Muito bom. Tu dizes que fede. E se eu mexer nos ponteiros do Rolex cheio de areia, posso ir direto pro momento, dias depois, quando dizes que na verdade, o cheiro é mais que bom. Então aqui provamos que a boca e o coração não chegaram a acordo. Se um dia chegarão, não saberei. Era o cheiro de nosso amor que estava ali, quente, colante, gostoso. E as palavras vem, jogam o cheiro no lixo, dão a descarga e a coisa fica lá, guardada naquele tempo, mas impossível de guardar pra sempre. Seja surdo, seja herói. Seja mudo, seja deus. Eu olho tudo, analiso, engulo e hoje meu pedido pro papai do céu é de aprender a cuspir. Ah não, vamos descer logo do carro, senão a gente ainda vai se beijar durante 5 minutos. Senão. A metade dessa palavra é "não". Não beija-me. Não beijo-te. Não nos beijemos, não nos beijamos, não vou beijar nunca mais. Quando te esforças para abandonar teu corpo, a palavra esforço está lançada. Ex-força. Aquela velha e antiga força que aparece pra te assombrar e que manda teu corpo calar a boca. E a boca insiste no esforço. Levanta a sobrancelha, coça, faz careta, nariz franzido e a boca lá de boa, só contando coisa sensata. Vai mudar. É a primeira vez. Na verdade, quero. Mentira. Inocente, bem intencionada, provocante, sensual, convincente mas ... mentira. Também conto várias. Calemos então essas palavras. Voltemos a falar quando as palavras sejam compostas de uma intenção que tua alma aceite. As palavras são presentes que oferecemos um ao outro e oferecer é uma bela palavra, cheia de intenção. Pega a palavra, bota um laço vermelho em volta, embrulha, pega com carinho, olha no olho e faz a porra do gesto de oferecer. Os braços vão pra frente, o olhar não vacila, o sorriso brota , o outro estende a mão, pega, desembrulha, olha o laço, os enfeites, o presente. Lembra o dia em que oferecemos livros um pro outro? Então...
Ouvindo: Queen - Don't Stop me Now
No comments:
Post a Comment